Aos poucos vou voltando ao haicai. Li por esses dias um livro interessante. Esse cuja capa vem nesta postagem. Segue o caminho inverso dos livros bilíngues. Aqui, haicais de brasileiros são traduzidos para o japonês e caligrafados por um artista daquele país. Enquanto lia, fui anotando os que mais me chamaram a atenção, por um motivo ou outro.
2.
meu coração adia
tudo que não é
poesia Léo Cruz
3.
meu plano - festejar
a virada de cada mês
como se fosse de ano Marcelo Pires
4.
paisagem colorida –
de quando em quando
uma vaca em preto e branco Ricardo Silvestrin
Considerando esses quatro haicais, vejo que a presença de Leminski e/ou Millôr é sensível em metade. A sacada anima, se casa bem com a forma breve. Os meus preferidos, entretanto, são os que me parecem ter mais sabor de haicai. Ou então: os que correspondem mais à minha concepção de haicai.
O de Silvestrin é uma descrição objetiva, mas que se apoia também numa sacada. A gente lê normalmente o poema até o último verso, em que a vaca malhada é descrita como em p&b, contrastando com o – por assim dizer – RGB da paisagem. Isso dá um toque de graça ao verso.
O de Petrarca é também uma descrição objetiva, mas sem apoio em sacada ou trocadilho ou referência cultural.
Qual a relação entre o fim de tarde e as duas formigas que escalam a folhagem? Por que só duas formigas? Onde está o poeta? Onde é essa folhagem? Por que ele resolveu anotar isso? Não é possível responder a nenhuma dessas perguntas. Por isso mesmo essas duas formigas, num final de tarde qualquer, escalando uma folhagem qualquer se fixam na memória, disponíveis para que nelas projetemos sentidos, percepções, experiências. São um símbolo objetivo, por assim dizer.
Fechado o livro, os poemas 1 e 4 permaneceram na memória da leitura. Mas se consigo explicar por que me lembro do poema de Silvestrin, não consigo explicar por que me lembro ainda mais do poema do Petrarca. Essa é a marca, o sabor, o gosto particular do haicai.
Texto da postagem do escritor e especialista em haicai - Paulo Franchetti