terça-feira, setembro 20, 2011

LADODENTRO ENTREVISTA - HELOÍSA BUARQUE DE HOLLANDA



"Acho que hoje a poesia saltou do papel. Ela já estava pedindo isso há algum tempo, desde os poetas experimentais da década de 50 e agora, mais do que nunca, com a presença avassaladora da poesia na web. (...) A poesia circulando nas ruas, ao alcance de todos, divulgando e provocando novos sentidos do uso da palavra é a realização de um sonho de todos nós que confiamos no poder de transformação e no potencial de prazer da palavra poética".


A  Doutora e Professora Heloisa Buarque de Hollanda, é uma das personalidades intelectuais mais atuantes na área da poesia nessas últimas décadas, confira essa entrevista inédita com ela. 


Da produção poética dos anos 70, a chamada poesia marginal, o que pode ser destacado enquanto postura/conquista criativa para os dias de hoje?


Heloisa Buarque - Acho que a poesia marginal foi um momento muito especial, datado mesmo, com forte input do contexto de uma ditadura militar e da contracultura internacional. Mas o legado dessa poesia me parece bem aceso. Fiz no mês passado, junto com Chacal um grande evento chamado Poesia Toda no teatro do SESC, um retrato do que se faz em poesia hoje no Rio. Teve poesia digital, poesia visual, poesia sonora, poesia canônica, cordel e representantes da poesia dos anos 70,80, 90 e da geração 00. A minha surpresa foi ver que uma certa identidade nas gerações 90 e 00 com a atitude marginal especialmente no ecletismo de suas dicções e na irreverência com os padrões e formulas literárias. Mas o que me espantou mesmo é que o grande sucesso do evento foi a apresentação da sessão chamada “As Margens Plácidas” (uma ironia de Chacal com a atual faixa etária dos antigos jovens marginais rebeldes). Foi a sessão mais lotada e os aplausos foram intermináveis. O que deu uma perspectiva clara da importância histórica daquele momento para os poetas e para o leitor de poesia hoje.

Seu interesse e empenho em organizar uma antologia (memorável, diga-se) da produção daquele período, partiu de que modo?

Heloisa Buarque - Eu sempre trabalhei com a interseção cultura e política. E naquele momento chamado de “vazio cultural” no qual a livre expressão era pesadamente interditada. A poesia começou a produzir um publico jovem e a se destacar na cena cultural. Comecei a me interessar primeira por esse motivo, depois, durante a extensa pesquisa que fiz, identifiquei traços bem novos na linguagem, muito próxima à experiência vivida ou ouvida, no relacionamento do poeta com seu publico e com a própria poesia e nas formas originais de produção e distribuição dos livrinhos. Daí para a paixão e para uma tese de doutorado foi um passo.

Poetas como Ana Cristina Cesar (que você manteve um contato estreito) e Torquato Neto, tornaram-se símbolos daquela geração, hoje em dia são reverenciados enquanto artistas. No entanto, ao mesmo tempo existe também um culto a eles no sentido de um destino trágico. De que modo esse culto se confunde com a poesia deles?

Heloisa Buarque - Há sempre isso na história da poesia e da literatura ocidental. A tuberculose, a loucura, a estranheza do poeta que termina morrendo jovem, como se fosse um destino anunciado. Acho que especialmente no caso da Ana Cristina, o enorme interesse que a leitura de sua poesia tem hoje vem desse fato. Não está desmerecendo seu texto que mais do que ninguém louvei e aprecio. Mas vejo na sua fortuna critica a marca sempre presente da fascinação e / ou da busca das razões de sua morte precoce.

O despojamento de linguagem, a gíria, o coloquialismo, o poema piada, a brevidade, o anti academicismo, a poesia como experimento da vida, são elementos chave da literatura anos 70. O que existe além desses apontamentos enquanto marcas desse período?

Heloisa Buarque - Nesse momento me lembro de pelo menos duas coisas: uma a importância histórica e política do testemunho de uma geração sob a égide da censura e dos limites e paranóias que uma ditadura trouxe para o cotidiano dessa geração; o segundo é a experimentação no modo de produção (independente), de criação (o projeto gráfico antológico de alguns livros como, por exemplo Quampérios de Chacal) e distribuição (de mão em mão, em shows ou outros pontos informais de distribuição) editoriais. Esse segundo fator volta hoje como uma necessidade urgente do mercado diante dos e/readers e das novas formas de suporte para a leitura. O livro tem que ser repensado em sua distribuição e produção. Esse é o grande problema editorial do livro impresso hoje.

Heloisa Buarque é considerada porta voz da contracultura no Brasil, pelos estudos, livros, pelo trabalho de valorização desse período enquanto valor artístico. Em que medida a poesia (enquanto gênero) se destaca na chamada contracultura brasileira?

Heloisa Buarque - Como já mencionei nossa contracultura foi atípica na medida em que desenvolveu-se num contexto de restrição e censura. As manifestações ou as artes públicas eram muito vigiadas. A poesia e o teatro alternativo, fenômenos tradicionalmente fora do circuito do grande público, pegaram essa brecha e realmente se destacaram tendo um importância singular na história da nossa contracultura.

De certo modo, a cultura da periferia é o novo nicho criativo de produção cultural, levando em conta o seu foco de atenção nesse setor social?

Heloisa Buarque - (Não entendi bem essa pergunta, vou responder na intuição) Posso dizer que hoje a produção da periferia é meu grande objeto de estudo atualmente. E interessante ver inclusive alguma similitudes com os anos 70, a começar pelo nome como se auto intitula , principalmente em SP, onde é conhecida como “literatura marginal”. A esse respeito escrevi um artigo que foi publicado na Revista Boletim do Kaos produzida na periferia paulista e que também está no meu site (www.heloisabuarquedehollanda.com.br) chamado Marginais & Marginais

A atitude independente dos poetas dos anos 70 ainda são modelo de viabilizar uma obra na produção atual de poesia mediante o mercado editorial?

Heloisa Buarque - Acho que os poetas hoje estão usando a web como espaço preferencial da poesia independente. Alguns dão sorte e atraem a atenção de editores. Mas basicamente estão na web.
 

CALIGRAFIA

Em sua série de poemas caligráficos, Arnaldo Antunes, que desenvolve essa prática desde o seu primeiro livro, praticamente todo caligráfico, OU E, de 1983, escreveu esse reproduzido abaixo, de 1998. A poesia do traço desenhando um sentido.

Poderia se dizer assim:  "sol e lua siameses da letra L".