quarta-feira, março 07, 2012

LADODENTRO ENTREVISTA - ARMINDO TREVISAN




Confira a entrevista inédita com o poeta, professor e especialista em arte, Armindo Trevisan, uma das forças culturais em nosso estado. Com direito a uma recomendação  que o escritor faz sobre suas próprias respostas.

Leiam minhas respostas COM CALMA, embora elas tenham sido escritas às pressas. Gostaria de ter mais tempo. Com 77 anos, a gente só tem tempo para os familiares e amigos. Para a saudade dos entes queridos que se foram. E se a gente não é louca: para a oração!
Ciao, Diego!


Poesia e Religiosidade, existe uma relação pertinente entre elas? 

A poesia nasceu dentro do mito. Leroy-Gouhran, pesquisador da pré-História, pensa que as imagens das cavernas de 17.000-20.000 anos a. C., ou mais, não são compreensíveis sem danças rituais ou iniciáticas que, na época, eram realizadas no seu interior, com o objetivo de facilitar a caça de animais. Ou, simplesmente, para abastecer o inconsciente coletivo.O importanto é que o ritmo domina tais imagens, do que se deduz, também, que possivelmente eram acompanhadas com batidas de mãos, movimentos de dança e brevíssimos refrões repetidos pelos partipantees? Tais palavras seriam os gerrmes da poesia. A lei da repetição, básica para a poesia, já estaria ali. É lógico que mais tarde, nas religiões constituídas, a poesia entrou em cheio. Pensemos nos textos sumérios e egípcios que a arqueologia desenterrou.Pensemos nos textos da Bíblia, antiquíssimos.Que dizer, então, da poesia cristã, que já se manifesta nos Hinos Litúrgicos do tempo de Santo Ambrósio, um de seus iniciadores, que Santo Agostinho rememorou com saudades no seu livro Confissões!

 Como se lê Poesia?

Poesia não só não é prosa; é antiprosa! A base da poesia é o verso, que não existe sem repetição. Noutras palavras, que não existe sem ritmo. Seria preciso voltar a ensinar a leitura poética nas escolas. As crianças adoram poesia quando descobrem que ela é rima, sonoridade, fantasia...Os adultos, que dizem com soberba que não gostam de poesia, são, em geral, pessoas que não tiveram uma infância completa, com mais sensibilidade e fantasia.A nossa sociedade, insistindo demais nos efeitos especiais dos filmes, da vida, do sexo, do comportamento no trânsito, nas festas de doideira, causa prejuízos à psicologia dos jovens. Tornam-se grosseiros, debochados, metidos a machões. Minha opinião é que a baixaria, em geral, ou sempre, não presta.. Maior polidez, reserva, elegância, nos aproxima da poesia, dos homens,de Deus.

Filosofia e Poesia são irmãs siamesas?

De acordo! Desde que a Filosofia desça um pouco de seus saltos altos...O mal da filosofia é levar-se excessivamente a sério. Quando o filósofo arrebita o nariz , e toma uns ares de que sabe tudo porque é capaz de manipular todas as palavras, a filosofia desmorona. Ela soçobra! A boa Filosofia, a grande Filosofia, respeita a poesia, e até se inspira nela.Heidegger viu isso.O jovem poeta precisa ler grandes filósofos. Também filósofos da linguagem, como Gaston Bachelard.

Quais as novidades na sua poesia?

Isso não cabe a mim. A Bíblia diz: "Seja outro a falar de ti!" Obviamente, a Bíblia quer excluir elogios infundados...de culto à personalidade. A vaidade é ruim para qualquer poeta, principalmente para os bons..Não sou muito de novidades. Como apreciar novidades se os homens falam desde que se tornaram humanos? É preciso pensar mais na tradição, no que herdamos dos grandíssimos poetas do passado. Até porque sobrevalorizamos os poetas de hoje. É uma de gênio para cá, de gênio para lá, etc.Não temos tantos gênios como se afirma por aí. Harold Bloom fez uma lista de 100 Gênios, e eu pessoalmente, nem sempre estou de acordo com a lista dele. Existem poetas - e romancistas - que não entram no gosto popular, nem na mídia. São gênios de verdade. Gênios, porém, ignorados! Gênios esnobados...

E os temas eróticos na Poesia?
Diego, vou te contar uma anedota famosa. Diz-se que um indivíduo perguntou a Aristóteles porque todo o mundo gosta de mulheres bonitas, de casas bonitas, de flores bonitas, até de nuvens bonitas - era o caso do Quintana! Bem, o Aristóteles, que era tudo, menos um filósofo de salto alto, respondeu com indesculpável bom senso:"Mas, meu filho, essa pergunta só pode ser feita por um cego..."

Quanto ao rebuscamento de linguagem na poesia: até que ponto deve haver?

Rebuscamento é uma coisa, busca de linguagem aprimorada, sonora, capaz de produzir explosões imaginativas e emotivas, é outra. Sou um apaixonado pela linguagem precisa, a que diz mais com menos.O arquiteto Mies van der Rohe ficou famoso com sua frase: "O menos é o mais!" É verdade que aprecio também a linguagem barroca quando não é farfalhuda, chocha, efervescente. Existe uma linguagem barroca que é uma maravilha! Mas, refletindo sobre isso, acrescentaria: São poucos os escritores barrocos da atualidade que me encantam! Um García Márquez? Sem dúvida. Um Guimarães Rosa? Também. Mas Guimarães Rosa já é para os membros da Confraria do Vinho dos Cavaleiros de Tastevin. Quantos s]ão capazes de degustar Guimarães Rosa? A maioria faz de conta. Em relação a Joyce e outros, nem falemos.São relativamente raros os leitores que têm cacife para lê-los. Em termpo: será que esses tais gênios barrocos não se enfatuaram um pouco? Será que não se embebedaram consigo mesmo?

Deus, uma licença poética?

Por favor, Diego, não me...aporrinhe! Perdoe-me a expressão. Não gosto de ofender, ou diminuir as pessoas. Foi a primeira pergunta sua que me desagradou. Não se pode falar de Deus assim. Está na moda, agora,que todo o mundo é expert em Deus!! Nunca imaginaei que a Escritura teria tantas confirmações de uma sua sentença sálmica: "Diz o insensato no seu coração: Não há Deus". Deus não é nenhuma licença poética, nem outra invenção humana. fNão nos explicamos sem Ele. Nem sem Ele podemos encontrar aquele mínimo de felicidade que buscamos. Se alguém está convicto de que Deus não existe, desconfie ao menos de si, da possibilidade de estar equivocado. Não se apresse. A vida pode reservar-lhe surpresas, encontros, descobertas.Sobretudo, pode reservar-lhe um insight. Onde? Numa esquina. num bar, numa alcova... Caso não haja insigth, a criatura humana deve suspeitar que Ele, por ser Amor, dará um jeito de não estar ausente a nenhum homem, não digo na hora da morte, mas na hora mais decisiva de sua vida. Pode ser na hora de uma paixão, de um amor arrasador, mesmo de natureza corporal! Tenhamos a humildade de deixar o horário à escolha Dele! E, naturalmente, tenhamos a humildade muito maior de dizer, alguma vez na vida: "Gostaria de Te conhecer mais!"

Poesia - escrita ou oral?

As duas! A poesia nasceu como oralidade. A poesia escrita é uma decorrência da invenção da escrita.Uma forma de guardá-la viva, não numa gaiola, mas num beiral, na rua, numa mesa, na areia do mar...Pode-se encontrar um poema escrfito até numa toalete. Quando se encontrarem espécimes de poesia verdadeira em tais lugares, enchamos os céus de Porto Alegre de foguetes! Haverá um pouco menos de grosseria na capital, um pouco menos de agressividade e violência, de loucura e ganâncias entre nós. Escrever poesia é um ato de respeito para com os outros. Imaginem vocês se alguém não tivesse escrito as partituras de Mozart e de Beethoven? Eu morreria de tristeza!


*Publicada originalmente para o projeto Poemas no Ônibus.