Uma rápida entrevista sobre letra e música e outras mumunhas mais com Luiz Tatit.
O músico, compositor e teórico Luiz Tatit é graduado em Letras (Lingüística) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (1978) e em Música (Composição), pela Escola de Comunicações e Artes (1979) da mesma universidade. É membro fundador do Grupo Rumo, representante da vanguarda musical paulista da década de 1980. Com o Grupo RUMO, incluindo compactos, Luiz Tatit gravou no total seis discos, relançados em 2004. Além da música, Luiz Tatit desenvolve na USP pesquisas em semiótica, a ciência que estuda o sentido em diferentes linguagens: verbal, musical, teatral, etc.
Em que momento você despertou o
interesse pela dinâmica linguística das palavras das canções?
Você se refere aos elementos linguísticos presentes na letra da canção? Comecei a prestar uma atenção especial nas letras das canções a partir do movimento tropicalista. Senti nessa época que surgia um tipo de letra inexistente até então. O LP Tropicália e os primeiros discos do Caetano e do Gilberto Gil foram os que mais despertaram meu interesse.
A poesia
naturalmente destaca a sonoridade das palavras. Mas um texto sem apelo sonoro
(rimas, aliterações) pode também demonstrar-se como musical?
A sonoridade das palavras não deixa de ser um
elemento a considerar no acabamento de uma letra. Mas, para a maioria dos
compositores, isso não chega a ser decisivo. O aspecto da linguagem que mais
contribui para a composição é a inflexão entoativa do texto. A maneira melódica
de falar é mais importante para o cancionista do que as rimas, as assonâncias,
etc. que nem sempre aparecem nas canções. A sonoridade das palavras é bem mais
aproveitada no campo da poesia. Os letristas também dela fazem uso, mas nem
tanto. As entoações que indicam o caminho para as frases melódicas são bem mais
determinantes.
Suas
letras são verdadeiras aulas da metalinguagem, tanto no âmbito musical quanto
verbal. Como você percebe a necessidade do artista voltar-se a própria
linguagem ?
Não vejo nenhuma necessidade de se fazer metalinguagem. Acho até que isso é
vício de quem desenvolve reflexão sobre a linguagem, no caso a linguagem
cancional. Se a metalinguagem for usada com discrição e parcimônia, acho
aceitável, mas quando se faz notar sem muita justificativa, me incomoda. Bons
compositores, como Jorge BenJor, Erasmo Carlos ou Djavan, por exemplo, não
precisam lançar mão desse recurso.
Em seu livro Análise Semiótica
através das Letras, você menciona a semiótica tensiva, fale a respeito
dela a partir da perspectiva letra e música.
A semiótica de hoje tem operado com noções
básicas que primordialmente eram apenas do domínio musical. Por exemplo,
“acentuação”, “andamento” e “temporalidade”. São conceitos que ajudam a
compreender a compatibilidade entre melodia e letra.
Tudo Comer /
tudo dormir /tudo no fundo do mar. Essa letra de Caetano aproxima a canção (de ninar) representada musicalmente
pela pronúncia musical da letra M (mmmmm...) que remete ao elemento do Mar
(mencionado na letra), que também é algo que embala. Essas relações são exemplo
de aproximação semiótica entre poesia e música?
São na verdade exemplos de influência da poesia na canção. Essa canção em
especial é bem resolvida, mas em geral os recursos que servem para a poesia não
se adaptam bem à letra de canção. Tornam-se pouco “naturais”. Os bons poetas,
normalmente, precisam treinar muito para chegar a fazer boas letras. Só poucos
conseguem. O inverso também é verdadeiro.
Existe
alguma reflexão sua sobre a apresentação gráfica dos poemas (verso espalhado na
página) e as partituras musicais. Ou seja, a proximidade visual do poema
tal qual a visualização de uma partitura?
Jamais. Canção é para ser ouvida e não vista ou lida. Desde as experiências
renascentistas com o canto erudito evita-se estabelecer relações do tipo: falou
em céu, notas agudas; falou em inferno, graves. São efeitos ingênuos que se
tornam casos únicos, sem ligação estrutural com a linguagem da canção. Poesia é
uma coisa, letra é outra, muito diferente.
Em
que medida as regras gramaticais convencionadas podem ser sacrificadas em nome
de uma construção linguística criativa?
Se
você se refere à gramática normativa, essa que corrige o falante ou o usuário
da língua, ela pode ser inteiramente sacrificada. Mas isso nem é gramática, de
acordo com a linguística. Gramática é o que ordena nosso discurso mesmo que não
tenhamos nenhuma consciência desse poder. Todos os discursos que somos capazes
de produzir são regidos por essa gramática interna. Portanto, jamais falamos
errado. Não temos o que sacrificar.
Você
concorda que pelo fato de boa parte da poesia ter migrado para as canções, a
mídia ideal para o poema seja o disco (de leitura) tanto quanto o livro
impresso?
Não
creio que a poesia tenha migrado para a canção. Poesia e letra não se
confundem. O que se percebe atualmente é que cada vez mais poetas experimentam
fazer letras para obter maior divulgação do trabalho. Quando conseguem,
sentem-se estimulados a produzir mais nessa área e, muitas vezes, abandonam a
poesia. Mas há também os que se cansam das letras e voltam para a poesia.
Provavelmente (isso é pura conjectura), tanto as poesias como as canções terão
no futuro uma vida bem mais virtual do que real. Acontece que tudo indica que o
mundo virtual será a principal realidade do futuro.