sábado, março 08, 2014

QUADRAS PAULISTANAS

Em 2013 o escritor e poeta Fabrício Corsaletti lançou pela Companhia das Letras o livro Quadras Paulistanas, uma reunião dos poemas em 4 versos publicados originalmente na Revista da Folha, em que o autor manteve uma coluna semanal durante 3 anos. O livro conta com um diálogo entre palavra e imagem com a contribuição do artista Andrés Sandoval, que ilustrou as quadras de acordo com o enunciado dos poemas além de sugerir um acabamento gráfico diferente para a edição. 

O autor não privilegia o poema no trabalho com a linguagem, ou melhor, privilegia de outro modo, trabalhando aspectos do registro do cotidiano numa linguagem simples, com vocabulário básico, mas acertando em achados de som e sentido que aguçam o interesse pela leitura, ora tendendo para uma narrativa, ora para uma bela crônica poética. Quadras Paulistanas recupera a forma de quadra fazendo um  texto breve com as surpresas semânticas nas dobras de cada frase. A poética paulistana encravada no cotidiano da cidade promovendo uma aproximação entre poesia e crônica, entre poesia e reportagem, entre poesia e imagem das ruas. É um modo criativo de conhecer Sampa e o livro serve também como um guia turístico anticlchê nesse retrato subjetivo em que o autor se propõe sobre a megalópole. Vibrei com a proposta e com a leitura.







sexta-feira, março 07, 2014

LADODENTRO ENTREVISTA - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Entrevista com o poeta e escritor Affonso Romano de Sant'anna. Entre suas inúmeras contribuições para a Literatura Brasileira, especialista em Drummond e com vasta bibliografia literária. Affonso reflete um pouco sobre poesia e outros diálogos literários com o gênero. Uma das dicas que o autor sugere é seu excelente livro que aborda a canção brasileira e a poesia moderna e todas as relações pertinentes entre elas: Música Popular Moderna e Poesia Brasileira, lançado em 1976 e relançado em 2013 pela Editora Nova Alexandria.  

O encontro insólito de duas sílabas ou palavras pode produzir uma explosão incalculável de sentimentos.


Em que medida a atividade de jornalista alimentou seu conteúdo poético?

Comecei a escrever em jornal acho que aos 16 anos, portanto,sempre me foi natural o elo entre jornal e literatura. Além do mais, nos anos 60 fiz um livro chamado" Jornal de Poesia"( que nunca publiquei) só com poemas feitos sobre fatos da imprensa. Jornal tem de tudo, poesia, drama, comedia, tragédia, humor,enfim é uma síntese da vida. E como cronista participo digerindo isto.

 Carlos Drummond de Andrade é uma de suas especialidades (defesa de doutorado), em As Impurezas do Branco, de 1973, Drummond arrisca uma poesia próxima da crônica e algumas tentativas experimentais de linguagem e forma. Sua poesia também é cotidiana e busca essa aproximação com o leitor. Nesse sentido, existe alguma afinidade direta da sua matriz poética com o conteúdo de As Impurezas do Branco?  

Drummond separava muito a poesia da prosa, ao contrário de Rubem Braga, fazia "crônica poética” Eu às vezes misturo ambas sem preconceito. Tenho muitas crônicas que os leitores não apenas chamam de “poema” mas me mandam de forma versificada. Eu mesmo peguei uma crônica motivada pela morte do Helio Pelegrino e descobri que era poesia, e assim a republiquei posteriormente.

Por que se escreve poesia?

Para expor a perplexidade e o encantamento diante do mistério. Desde a antiguidade, com os shaman, com os profetas e com os grandes poetas porta-vozes de sua comunidade foi assim.  Os que fazem poesia como jogo pretensamente inteligente, que fazem poesia para entrar na moda ou apenas para seduzir ficam no meio do caminho. Numa enquete que o Edson Cruz  fez pedindo aos poetas que dissessem o que é poesia,ocorreu-me dizer: “poesia é a transverberação do espanto"O verbo, o logo está nisto.

Oswald de Andrade e João Cabral. De um lado intuição, ironia e síntese, do outro  rigor formal, a concretude e a antimusica. Como você percebe a harmonia entre essas duas forças da nossa poesia moderna? Ou ainda: em que você esteve mais inclinado poeticamente?

Seguinte: Oswald é um poeta menor. Fez experiências típicas do modernismo, ficou naquela livro inicial. Não desenvolveu um projeto como Drummond, Cecília, J.de Lima,etc. Cabral é um poeta excepcional,mas teoricamente equivocado ao pregar que poesia é   construção, razão, forma.  Se ele tivesse razão  99,9% da boa poesia universal seria um equivoco.Essa coisa de "rigor formal" leva ao “rigor mortis" e muita gente ficou paralisada pelo falso sofisma da forma.

Comente a ideia da poesia veiculada fora dos livros, outros suportes. 

Sempre fui a favor de formas novas para"conduzir"a poesia. O primeiro livro que publiquei'"O desemprego"do poeta"  lutava pelo "reemprego" da poesia. Acho bom aproveitar os espaços de ociosidade, espaços intercalares.Me agrada, me conte do resultado.

Pode-se afirmar que a crônica é o gênero de maior alcance pelo fato  de ter uma maior veiculação nos jornais? por esse aspecto, se a poesia (sem o tal rebuscamento) fosse publicada em jornais com mais destaque, poderia ser uma forma de gerar mais leitores, até consumidores da poesia em livros?

Antonio Cândido cometeu esse deslize de dizer que a crônica é um gênero menor. Não há gênero menor, há autores menores diante de certos gêneros. Minha trajetória é um testemunho de como a poesia  e crônica podem e devem funcionar fora dos  livros. Os leitores se apoderam dos textos com uma ferocidade meiga. Veja agora esse vídeo poema, em 4 línguas, que lancei no Youtube e na Internet: OBAMA, VENHA COMIGOA CARTAGO.

 Em sua poesia, é notável a forma com a qual você equilibra lirismo, reflexão social e até uma atitude política. A poesia, por ser o contraponto, o deslocamento, a recriação dos significados, ela pode também ser literal a ponto de transmitir um pensamento inclusive filosófico?

Um dos livros mais úteis para poetas então poetas é o "Homo ludens" de Huizinga. Sempre o aconselho nos cursos de criação literária. Poesia e jogo, poesia e invenção, poesia e filosofia. Minha tese sobre Drummond  é um passeio pela filosofia mostrando que se Heidegger tivesse lido Drummond  poderia ter escrito ensaios notáveis. Ao contrário, Drummond nunca leu Heidegger. Eu leio de tudo, consumo, por exemplo,   livros de física e  ciências, exatamente porque não entendo esse mundo, mas me maravilho sempre. O cientista e o filósofo estão mais próximos do poeta do que se imagina.  Sempre digo que a poesia,a boa literatura é como o trabalho do físico nuclear, é a fissão vocabular. O encontro insólito de duas sílabas ou palavras pode produzir uma explosão incalculável de sentimentos

Você escreveu sobre Ezra Pound, na poesia moderna ele é referência. Aponte outras virtudes desse poeta/inventor que você descobriu em suas leituras.

 O que escrevi sobre Pound foi uma correção: mostrei seus equívocos apesar das suas  intenções.Fui contra a corrente que acha que simplesmente citar Pound ou Joyce torna as pessoas mais inteligentes. As pessoas precisam ter "redação própria", pararem de  repetir o que pessoas ditas como inteligentes dizem.  As pessoas dizem: Mallarmé/Pound/Joyce e acham que têm direito à vida eterna. Estou desconstruindo este mito. Fiz isto também em relação às artes: a arte contemporânea é o domínio da indigência teórica, da repetição do que outros lá fora disseram.

 Duas leituras básicas (livros) para o poeta aspirante.

"Homo Ludens- Huizinga". E para quem quer saber o que aconteceu com a poesia brasileira no século passado o meu livro “ MUSICA POPULAR E MODERNA POESIA BRASILEIRA "ED. Nova Alexandria".