sábado, outubro 08, 2011

LADODENTRO ENTREVISTA - CHICO AMARAL



Chico Amaral é um dos mais atuantes letristas da música popular brasileira. Praticamente é o quinto integranteda banda mineira Skank, sendo co-autor de grande parte do repertório do grupo. Parceiro também de Milton Nascimento, Ed Motta, Beto Guedes, Erasmo Carlos, Lô Borges, Totonho Villeroy, Affonsinho, entre outros. Como compositor foi gravado por diversos nomes da MPB, como Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Cidade Negra. Chico Amaral é saxofonista e ganhou o prêmio de melhor instrumentista do concurso BDMG para compositores de música instrumental, edição 2007. Como letrista, Chico Amaral  torna-se poeta da canção e nos faz perceber que música e poesia serão sempre complementares. Os discos Livramento, de 2002 e Singular, de 2007, são trabalhos de Chico Amaral como letrista e instrumentista, mais afastados da linguagem pop presente nas canções com o Skank, deixando mais clara sua sofisticação musical.  http://www.chicoamaral.com.br/

Como você perecebe a letra de música com um status de poesia?

Chico Amaral - Jack Kerouac notou a beleza das frases de Charlie Parker, tão longas e surpreendentes, dizia ele, como as frases de Proust. O que aproxima um pouco o jazz da poesia é essa presença da frase. John Coltrane cria padrões musicais tão novos no seu fraseado que remete à recriação do mundo alcançada pelos poetas. O mesmo sinto em relação a Miles Davis e Wayne Shorter, com sua extrema originalidade. São poetas, eu sempre penso. Coltrane e Parker seriam poetas - prosadores. Há, também, uma forte analogia do jazz, e de outros tipos de música, com a pintura. A frase, os sons, o timbre, criam linhas e cores no espaço que preenchem. O jazz é cheio disso, lembra às vezes o cubismo, outras o abstracionismo, como o free de Ornette Coleman. Charles Mingus tem uma composição que se chama Self-Portrait in Three Colours.

Você tem ou terá algum projeto de publicar um volume com poemas somente impressos?

Chico Amaral - Não. Tenho feito coisas com Leo Minax, um mineiro radicado em Madrid, que lembram a poesia dos livros. É importante lembrar que existe poesia sem o livro, como em Homero, por exemplo, ou Bob Dylan. Existe até poesia sem o poeta! “A canção cantada por si mesma”, como escreveu Carlos Drummond.

Fale sobre o início de sua atividade de letrista ofcial da banda Skank.

Chico Amaral - Comecei a tocar com Samuel Rosa em conjuntos anteriores ao Skank. Depois alguém lhe contou que eu era letrista. Uma das primeiras letras que escrevi pro Skank dizia: “desde que você me disse nem/saber quem foi John Coltrane/e Noel Rosa era alguém/que seus tios gostavam bem(...)”. Fizemos muita coisa juntos. Samuel é meu grande intérprete, com o Skank, claro.

Como se dá o seu processo de elaboração da letra/poemas a partir da canção?

Chico Amaral - Começa por ser uma idéia poética. Gosto das frases escritas na cidade. Talvez o ônibus seja até melhor que o livro, tenha mais urgência, menos comodidade. Se você não ler aquilo, nunca mais, de repente, poderá fazê-lo. Eu leio tudo pelo caminho, a cidade é um grande livro caótico. Gosto de encontrar nomes de lojas bem escolhidos, em bom português: a Cantina do Lucas, Casa da Farinha, A Favorita, etc. Outro dia imaginei um nome cômico-ridículo: “Joaquim Silvério, o Rei da Traíra”. Seria ótimo encontrar, no metrô, um poema de Gregório de Matos, por exemplo.

Quais suas influências na poesia? elas se confundem com as influências musicais?

Chico Amaral - Gosto de muita gente, de João Cabral de Melo Neto a Arnaldo Antunes. É importante lembrar também a quantidade de compositores que operaram com versos mais prosaicos, aparentemente, e de enorme beleza e precisão: Dorival Caymmi, Vinícius, Erasmo Carlos, Noel Rosa, Lamartine Babo. “Eu vou pra Maracangalha, eu vou/eu vou de chapéu de palha, eu vou”. Como afirmar que isso é menos poético? Caymmi é um dos meus ídolos, toco e canto suas músicas no violão, direto.

Existe, em sua percepção, algumas palavras ditas pela música instrumental, isto é, mesmo na música sem palavras as palavras insinuam-se?

Chico Amaral - Não sei. E olhe que meu ofício é colocar palavras nas melodias que os parceiros enviam. Gosto de música instrumental, sem palavras. Para além das transformações que a palavra consegue – e para Guimarães Rosa ela consegue o infinito – está o claro enigma da música. Não precisa de palavras.

A atenção voltada para a poesia da canção, seu-se muito a partir da atotude di Vínicius de Moraes, poeta de livro que começou a escrever letras e com isso inauguraou um novo estilo em sua poesia. Você se sente continuando esse legado aberto por Vinícius?

Chico Amaral - É, foi a partir de Vinícius, assim como foi a partir de Catulo da Paixão Cearense, de Orestes “Chão de Estrelas” Barbosa, de um monte de gente. Minha mulher me pede pra publicar um livro, mas de crônicas que eu escrevi no jornal em 2001/2002. Não sei. Livro com minhas letras não. Talvez uma miscelânea com textos e aquelas letras mais malucas que não servem pra ninguém.

A poesia Beat usou o jazz como inspiração poética. Você acredita numa escrita do improviso tal qual foi possível musicalmente no jazz?

Chico Amaral - O jazz recuperou a grande arte do improviso. Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, todos foram exímios improvisadores. No Brasil, Pixinguinha improvisava com os 8 Batutas. E Jacob do Bandolim. O improviso é para os mestres. Por trás do improviso está uma vida de estudos e preparação. O improviso não se dá em dez minutos. Ele é a cristalização de dez anos! Quanto à letra, os improvisadores que a gente conhece são os repentistas e os rappers. Criam ali na hora, em cima do modo ou da batida. Noel às vezes parece ter a rapidez do improvisador, com versos escritos no guardanapo do bar.