Maria Bethânia lê o poema Sargaços, dedicado a ela, de Waly Salomão dentro da sua Poesia Total.
Sargaços - Waly Salomão
Criar é não se adequar à vida como ela é,
Nem tampouco se grudar às lembranças pretéritas
Que não sobrenadam mais.
Nem ancorar à beira-cais estagnado,
Nem malhar a batida bigorna à beira-mágoa.
Nascer não é antes, não é ficar a ver navios,
Nascer é depois, é nadar após se afundar e se afogar.
Braçadas e mais braçadas até perder o fôlego
(Sargaços ofegam o peito opresso),
Bombear gás do tanque de reserva localizado em algum ponto
Do corpo
E não parar de nadar,
Nem que se morra na praia antes de alcançar o mar.
Plasmar
   bancos de areias, recifes de corais, ilhas, arquipélagos, baías,
                                                                    espumas e salitres,
                                                                      ondas e maresias.
Mar de sargaços
Nadar, nadar, nadar e inventar a viagem, o mapa,
                                                        o astrolábio de sete faces,
O zumbido dos ventos em redemoinho, o leme, as velas, as cordas,
Os ferros, o júbilo e o luto.
Encasquetar-se na captura da canção que inventa Orfeu
Ou daquela outra que conduz ao mar absoluto.
 Só e outros poemas
                    Soledades
                              Solitude, récif, étoile.
Através dos anéis escancarados pelos velhos horizontes
Parir,
          desvelar,
                          desocultar novos horizontes. 
Mamar o leite primevo, o colostro, da Via Láctea.
E, mormente,
                     remar contra a maré numa canoa furada
Somente
              para martelar um padrão estóico-tresloucado
De desaceitar o naufrágio.
Criar é se desacostumar do fado fixo
E ser arbitrário.
                                                       Sendo os remos imateriais
(Remos figurados no ar pelos círculos das palavras.)