domingo, fevereiro 05, 2012

LADODENTRO ENTREVISTA - MANOEL DE BARROS

Harmonia é uma arquitetura
do silêncio


Manoel de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916, filho de João Venceslau Barros, capataz com influência naquela região. Mudou-se para Corumbá (MS), onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Atualmente mora em Campo Grande (MS). É advogado, fazendeiro e poeta.

LADODENTRO traz uma entrevista inédita com o poeta que atualmente mais vende livros de poesia no Brasil, numa combinação nem sempre comum entre qualidade e quantidade editorial. Em respostas breves e iluminadas, algumas que inclusive até parecem pintadas com a mesma cor de seus versos, Manoel de Barros comenta sua escrita e abordagens poéticas.

Comparado e elogiado por Guimarães Rosa, o poeta de Cuiabá revolucionou a literatura brasileira, carregando a poesia moderna de subversão e novidades semânticas.

Entre suas conquistas de linguagem, o poeta foi agraciado com o “Prêmio Orlando Dantas” em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro Compêndio para uso dos pássaros. Em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra Gramática expositiva do chão e, em 1997, o Livro sobre nada recebeu o Prêmio Nestlé, de âmbito nacional. Em 1998, recebeu o Prêmio Cecília Meireles (literatura/poesia), concedido pelo Ministério da Cultura.

Foi Millôr Fernandes quem chamou a atenção para o poeta que hoje é reconhecido nacional e internacionalmente como um dos mais originais do século e mais importantes do Brasil. O belíssimo filme Só dez por cento é mentira, de Pedro Cezar , lançado abril de 2008, traz um documentário sobre a vida do poeta e sua escrita inovadora. O título do filme refere-se a uma frase de Manoel de Barros: "Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira".
Confira o link do filme: http://www.sodez.com.br/


Manoel de Barros voa fora da asa, e seus leitores agradecem a didática da sua invenção.



Sua poesia parte da utilização de um novo léxico, a ponto de ser considerada uma poesia de invenção. Essa escolha estética partiu de quais motivações?

Acho que é de fato uma invenção a minha poesia. Invento para me conhecer.

O Pantanal passou a ser seu tema, a ponto de você materializar em linguagem aspectos dessa região. Nesse sentido, você pretendeu ser um porta voz do Pantanal ou da natureza?

Sou pantaneiro de chapa e cruz – como se diz lá em Cuiabá. Mas a minha palavra não tem cara de ecologia. Acho que minha linguagem procura mais a estética. Poeta é um ser de linguagem e não de paisagem. Meu caso é natureza.

Seu livro Matéria de Poesia, e o poema Didática da Invenção, são dois exemplos cruciais da sua visão metalinguística da poesia. Você sente ainda hoje a necessidade de "apresentar" as bases da sua poesia?

Não sinto essa necessidade; mas gosto quando alguém me acha metalinguístico

A desimportância da poesia pode ser considerada sua grande utilidade?

Dou muita importância às coisas desimportantes: às rimas, às formigas que tem a sabedoria da terra. Gosto do nada com profundidade.

Quando você é comparado a Guimarães Rosa (neologismos), você concorda que a aproximação entre a prosa e a poesia, em termos de linguagem, podem se misturar?

Tenho um certo orgulho de ser comparado ao Rosa. Mas acho que ele tem um poder lexical de invenção, que me impressiona. Eu fico olhando pro meu pé.

O que você acha da ideia da poesia circular fora dos livros, em cartazes, videotexto, etc...


Acho uma ideia! No tempo que eu era guri no Rio, eu lia nos bondes: “Rim doente? Toma urudonal e viva contente.” Citei esse fato porque acho que a poesia pode ser mais entendida e gostada nos bondes. Acho!

Na sua visão, o que mais cativa o leitor em sua escrita?

Talvez uma inversão de palavras para uma visão nova. Pode ser?

Algumas influências artísticas em sua poesia que atuam fora da literatura?

Influência que senti em minha linguagem foi conhecer Rimbaud, que sugeria o imenso desregramento de todos os sentidos: “Eu escutei a cor de um pássaro.” Total mistura dos sentidos.

A instabilidade semântica que carrega a sua poesia de certo modo é uma atitude modernista perante a palavra escrita?

Acho que o cinema. Gosto de fazer desenhos verbais de imagens.

A leitura da poesia em voz alta é algo que lhe agrada?

Não. Sempre a voz alta omite a harmonia. Harmonia é uma arquitetura do silêncio.

Por que devemos considerar as possibilidades que a poesia permite?

A natureza pode ser renovada. Assim: “Eu vi um sapo com olhar de árvore”. Isso não renova?