quarta-feira, setembro 23, 2015

LADODENTRO ENTREVISTA: FERREIRA GULLAR


Entrevista com o poeta Ferreira Gullar na ocasião do lançamento do seu livro de poemas mais recente Em Alguma Parte Alguma, lançado em 2011. A entrevista foi publicada em outros blogs mas por aqui permaneceu inédita desde então. As palavras de Ferreira Gullar sobre alguns de seus livros mais experimentais e a reflexão sempre estimulante sobre criação e função poéticas. Sem dúvida essa conversa foi uma das mais especiais, um orgulho grande  aqui do Ladodentro Entrevista.  


No livro em Alguma Parte Alguma, existe alguma nova abordagem poética ou a inauguração de um novo tema em sua poesia?
  
Nesse livro, há temas que o definem e o distinguem: um desses temas é o universo; outro, a consciência da morte e outro ainda, a relação entre ordem e desordem. Mas não foram temas que escolhi a priori para escrever os poemas. Na verdade, eles surgiram durante os anos em que os 
escrevi e, surgidos, passei a explorá-los.

Existe algum pré requisito de linguagem para um texto autorizar-se poesia? O estranhamento? O sentido incompreensível?

A linguagem da poesia pode às vezes oferecer dificuldade para o leitor comum mas não é intenção do poeta escrever difícil. A dificuldade nasce da necessidade de ultrapassar a expressão prosaica e alcançar o nível da poesia.

A sua produção Neoconcreta foi encerrada. Existe alguma possibilidade de você retomar essa forma poética revolucionária em sua criação recente?

A experiência neoconcreta pertence a uma época determinada - final da década de 50 começo da de 60 - e se esgotou ali. A última face de minha poesia neoconcreta foi constituída de poemas-objeto, com uma única palavra. Isso não tem nada a ver com os poemas que fiz depois, fundados basicamente no discurso poético.


 Sua atividade de poeta está acompanhada do crítico de arte. De que forma o texto do crítico de arte reverbera em sua poesia, tanto no critério artístico como na linguagem?

 Como o poeta Gullar e o crítico de arte Gullar são uma mesma pessoa, naturalmente alguma coisa de um estará presente no outro, mas a linguagem do poema, a experiência poética é coisa muito diversa da expressão crítica, analítica, dos escritos sobre arte. Às vezes, o crítico que sou dá lugar ao poeta e, em vez de texto crítico, escrevo textos poéticos.

Qual o seu método de criação? Existe alguma disciplina determinada na hora de escrever?

 Não, não tenho método para escrever poesia e não creio que isso seja possível, a não ser, em alguns poetas, ao nível da técnica. No meu caso, o poema nasce do espanto, do inesperado e eu o invento, ali, a partir da descoberta inesperada. Certamente, tenho um modo próprio de estruturar o poema e isso resultou de uma longa e diversificada experiência. Sem o domínio técnico da expressão, não há expressão poética.
  
O Poema Sujo e Crime na Flora são dois livros importantes em sua obra, tanto no plano da inovação da linguagem como na explosão do sentido poético, além de aproximar a poesia da prosa. Existe uma aproximação entre essas duas obras no sentido de perseguir um efeito original em seu discurso?
  
 "Crime na flora" e "Poema sujo" são experiências poéticas inteiramente diversas: o primeiro nasceu da necessidade de eu voltar a escrever, já que havia destruído minha linguagem de poeta no final de "A Lua Corporal"; já o"Poema Sujo", escrito mais de 20 anos depois, resulta de outras questões e especialmente de necessidade resgatar o vivido e reinventá-lo. Quanto ao mais, devo dizer que forma e conteúdo são entidades inseparáveis.


Poesia pode ser encarada como uma profissão?

 Fazer poesia não é profissão, não pode ser.
 
Algumas palavras de Gullar para fechar nossa conversa: o que é imprescindível na existência?

 Algumas frases minhas se tornaram muito conhecidas e até já circulam como se fossem criação anônima. Cito duas: "Não quero ter razão, quero ser feliz" e "A arte existe porque a vida não basta".