Poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, prima pela clareza do discurso e consegue a proeza de harmonizar uma linguagem sofisticada sem sacrificar o entendimento do texto. Autor de cinco livros de poesia, Liturgia da Matéria (1982) Mínima Lírica (1989), Trovar Claro (1997), com o qual recebeu o Prêmio Alphonsus de Guimarães, da Fundação da Biblioteca Nacional, Macau (2003), com o qual recebeu o prêmio Portugal Telecom de literatura brasileira, e Tarde, (2007), seu mais recente livro do gênero. Em 2004, lançou o livro de contos Paraísos Artificiais, estabelecendo um diálogo com o poeta francês Charles Baudelaire.
Paulo Henriques Britto cultiva as formas fixas sem perder a linguagem afiada com a contemporaneidade, é um nome de destaque da atual poesia brasileira e já traduziu autores importantes como Allen Ginsberg, Byron e Henry James . Nessa entrevista, o autor dá informações preciosas sobre o gênero poético. Confira.
Em que medida a concisão é fundamental na poesia?
Eu diria que é fundamental apenas para uma determinada tradição da poesia moderna. Há grandes poetas concisos e grandes poetas espaçosos.
Você, que atua na área da tradução de poesia de forma reconhecida, concorda com a máxima de Robert Frost: “Poesia é o que se perde na tradução"?
De modo algum. Acho que uma boa tradução pode recuperar o que há de melhor num poema. Uma das pesquisas que desenvolvo atualmente na PUC-Rio é justamente sobre a tradução de poesia, e o que tento demonstrar para meus alunos é que é possível fazer avaliações minimamente objetivas de traduções de poesia; e o que essas avaliações mostram é que há traduções excelentes. Nós temos aqui, no Brasil, um nível muito elevado de tradução poética, como as traduções feitas pelos irmãos Campos, por exemplo.
Sem dúvida, a poesia marginal dos anos 70 tem alguns pontos em comum com o modernismo de 22. Só que o que em 22 era inovação nos anos 70 era mais uma reação ao formalismo das vanguardas dos anos 50 e 60. No cômputo geral, acredito que a guinada subjetivista e informal da geração mimeógrafo foi uma reação saudável; mas não dá para comparar o legado poético dos anos 70 com a produção do Bandeira modernista, do primeiro Drummond, nem sequer com o Mário e o Oswald dos anos 20.
Você é reconhecido por uma poesia clara, não hermética, é nesse sentido que a poesia sairá do altar? no sentido de aproximar o leitor?
Não acho que a poesia esteja em nenhum altar; Bandeira e os outros modernistas já trouxeram a poesia de lá há muito tempo. Mas popular, no sentido que são populares a canção popular e as telenovelas, a poesia não é mais desde o modernismo, e acho pouco provável que volte a ser algum dia. Pessoalmente, não tenho nada contra o hermetismo; acho que há ótimos poetas difíceis e ótimos poetas que não são difíceis; ninguém é hermético por espírito de porco, nem claro por vontade de se aproximar do leitor: a gente escreve a poesia que consegue escrever, não a que acha que deve ser escrita.
Boa parte da poesia escrita do modernismo para cá tem um forte componente metalinguístico, e não necessariamente por haver um projeto consciente neste sentido. A arte moderna, de modo geral, é metalinguística; o cinema de Godard, as canções de Caetano Veloso, o teatro de Brecht, o romance de Joyce e Cortázar... Mas se a gente parar para pensar, boa parte dos sonetos de Shakespeare tematiza a perenidade da poesia em comparação com a beleza física da pessoa amada: isso também é metalinguístico. Mas quando Camões comenta as agruras de escrever um poema épico em tempos modernos, isso também é metalinguagem, não é? Pensando bem, a arte sempre foi um dos temas centrais dos artistas, a poesia sempre foi um dos grandes tópicos da poesia de todos os tempos. O modernismo apenas acentuou uma coisa que sempre existiu. Quanto a Mínima lírica, não sei se é mais metalinguístico que a maioria dos livros de poesia de nosso tempo. Desconfio que não.
A conquista do sermo humilis — a elevação da linguagem coloquial à condição de arte — é algo que veio para ficar. Num primeiro momento, a gente pensa nos modernistas de 22. Mas Auerbach afirma que o primeiro texto que eleva o cotidiano à condição do sublime, que apaga as fronteiras tradicionais entre o elevado e o baixo, é o Novo Testamento. Ou seja: a coisa não é tão nova assim. Isso, a meu ver, é um caminho sem volta: a entronização da linguagem coloquial como veículo de poesia. Quanto às formas fixas, concordo com Antonio Cícero: o modernismo contribuiu com formas novas, mas não destruiu nada. O verso livre é mais uma forma a ser explorada pelos poetas; ele vem se somar ao soneto, à sextina, à terça rima, à oitava rima e tudo o mais; essas formas antigas, porém, não se tornaram obsoletas. A única coisa que me parece irremediavelmente obsoleta é a postura de achar que é obrigatório usar uma linguagem elevada para tratar de temas elevados: a estética do sublime. No mais, os velhos temas continuam vivos: o amor, a morte, o desejo; e as velhas formas permanecem, ao lado das novas.
Não sei se entendi bem a pergunta, mas concordo que pode haver linguagem poética sem forma poética: estão aí Joyce e Kafka e Guimarães Rosa e tantos outros que utilizam em prosa uma série de recursos característicos da poesia, sem recorrer aos metros e às formas estróficas e outros recursos formais da poesia.
Vou citar apenas uns poucos mais marcantes. Descobri a poesia aos onze anos de idade, quando morava nos Estados Unidos, e uma professora nos deu para ler Shakespeare. Daí passei para Emily Dickinson, Edgar Allan Poe e Walt Whitman. Dickinson e Whitman em particular me marcaram muito: Dickinson pela concisão, Whitman pelo ritmo e pela força bruta de suas imagens. Quando voltei ao Brasil descobri que também havia poesia em português. Foi então que comecei a ler Pessoa, o poeta que mais me marcou de todos, creio eu. Com Pessoa aprendi a ideia da construção de uma persona poética, e também que era possível trabalhar com todas as formas, antigas e modernas. Bandeira e Drummond me levaram a descobrir a riqueza da fala cotidiana brasileira — algo que aprendi também lendo o teatro de Nelson Rodrigues, que teve um impacto tremendo em mim aos dezessete, dezoito anos. Os dois últimos poetas que mexeram comigo no final do período de formação — por volta dos vinte anos — foram Wallace Stevens e Cabral. Com Stevens aprendi a trabalhar com ritmos tradicionais de uma maneira moderna, e também peguei alguns temas que se tornaram importantes para mim: a poesia sobre a poesia, a arte como substituto da religião. E com Cabral aprendi a amar a redondilha maior e as metáforas ousadas.
Em que medida a poesia é mais arte plástica do que literatura?
Para mim, muito pouco. Minha grande paixão é a música, e poesia para mim é, entre outras coisas, talvez até acima de tudo, música com palavras. Nunca consegui me interessar por poesia concreta, por nenhuma forma de poesia que enfatize o elemento gráfico. Não sou muito ligado em artes plásticas, e menos ainda em publicidade, que tanto empolgava as neovanguardas dos anos 50 e 60.