quinta-feira, dezembro 15, 2011

RECANTO - GAL & CAETANO




No dia 06 de dezembro de 2011 foi lançado o disco Recanto, de Gal Costa, após 5 anos sem a cantora produzir nenhum novo material. O trabalho, traz 9 canções novas de Caetano Veloso, que também assina a produção do disco. Além das canções inéditas, outras duas compõe o cd: a belíssima Mansidão, composta originalmente para Jane Duboc em 1982, uma melodia doce com letra leve e positiva. A outra, Madre Deus, foi lançada em 2005 para o balé do grupo Corpo, no disco Oqontô, de Caetano e Wisnik.


Gal Costa junto com Maria Bethânia são as cantoras que mais gravaram Caetano, o repertório de canções que cada uma registrou do cantor preencheria mais que um disco duplo, por isso é natural que Gal Costa faça esse trabalho praticamente em parceria com seu companheiro de trajetória. Além das inúmeras canções gravadas por Gal com assinatura de Caetano, os dois trabalharam juntos na Tropicália, no exílio era Gal que trazia as novas de Veloso para o Brasil, entre 70 e 71. Depois Caetano prodziu o disco Cantar, em 1974, além da turnê e disco Doces Bárbaros, em 1976. Muitas dessas canções caetano compôs especialmente para a voz de Gal, sem nunca ter gravado grande parte delas.

A novidade do novo trabalho, Recanto, são as 9 canções inéditas saídas do forno compostas especialmente para o conceito do disco, trata-se de um trabalho composicional de Caetano que Gal Costa interpreta e incorpora. Em 2012, durante a turnê do disco, Caetano assinará também a direção do show. Esse trabalho coletivo é uma das forças do disco, forma ideal de trazer uma das maiores cantoras do Brasil a tona novamente. A outra novidade é a pegada eletrônica sendo o elemento musical mais importante do disco, que permeia seu conceito. A equipe que Caetano escalou para compor programações eletrônicas adaptadas a voz de Gal, colaborou com a roupagem moderna para as faixas. Os responsáveis pelo conteúdo eletrônico, Kassin e Moreno Veloso, entre outros, foram fundamentais para esse tom eletro incorporado a voz de Gal. Foi uma forma também de renovar os contornos musicais da cantora.

As letras, concisas e abstratas, estão centralizadas no encarte do disco. O texto de Caetano para ter tentado um novo estilo, em que a as frases diretas e enxutas carregam na metáfora, parece um esboço de uma nova textura poética sublinhadas pela voz de Gal, merecem destaque.

Recanto Escuro e Tudo dói são radiografias biográficas escritas para Gal declamar. As duas pontas que costuram o disco. Sexo e dinheiro e Cara do mundo apresentam o discurso poético renovado de Caetano. Autotune autoerotico e Miami Maculele são as faixas mais condicionadas ao elemento eletrônico, as letras preenchem o que a pegada eletrônica sugere. Essa última apresenta a voz de Caetano como pano de fundo cantando em voz modificada num tom de funk carioca, uma surpresa. O menino foi feita para Gal e seu filho adotivo e Segunda, que fecha o disco, relata a forma baiana de encarar a segunda feira. A canção Neguinho, lançada primeiro que as outras, é um retrato contemporâneo da ascenção social centrada no personagem Neguinho, que mora na favela carioca.

A contracapa traz uma foto emblemática da dupla em Londres, em 1970, durante o festival da ilha de Wight. Um belo presente de fim de ano para fãs tropicalistas.



CARA DO MUNDO

Cara do mundo, cara de peixe-boi
Cara de tudo, cara do que já foi
Pássaro azul, deserto-jardim, presunto
Músculo nu num filme ruim, soluço
Cara de cobra, cara de beija-flor
Cara de cara, cara do meu amor

Cara do mundo, vim te reconhecer
Cara de muito, dor de tanto prazer
Abro meus olhos, abro meus braços, longe
Fecho meu punho, fecho meu coração
Cara de tempo, cara de escuridão
Asa do vento, olho de sol, clarão

Cara do mundo, máscara de carvão
Máscara clara, rosto de multidão
Gozo em te ver tão cara a cara assim
Posso meter máscara clara em mim
Cara do mundo, hálito de maçã
Cor de abacate, amargor de alumã







domingo, dezembro 11, 2011

LADODENTRO ENTREVISTA - CLAÚDIO WILLER




O poeta e tradutor Cláudio Willer respondeu algumas perguntas sobre  poesia e criação. O responsável pela tradução e inserção da obra de Allen Ginsberg no Brasil e o intelectual mais especializado em literatura beat no país, fala a respeito da movimentação poética da cena paulistana das décadas de 60 e 70, recentemente lançadas no livro Dentes da Memória, das jornalistas Camila Hungria e Renata D´Elia, que traçam um belo painel da produção poética naquele período, em que Willer era um dos expoentes. O autor também comenta a nítida influência do movimento beat em sua poesia e as questões da produção contemporânea do gênero hoje em dia. Confira.

Como você observa essa recuperação da movimentação poética dos anos 60/70 na cidade de São Paulo, em que era um dos expoentes? normalmente o foco desse período de poesia no Brasil é o RJ, mas existe muita história e uma característica muito clara dos conceitos da turma liderada por você e Piva, por exemplo, o nítido comportamento/influência Beat.

Sim. Mas veja que a movimentação no Rio, por volta de 1960, não era tão grande assim, havia mais atividades ligadas à poesia em São Paulo. E Rio era algo tradicionalista, se comparado a São Paulo. Rio vai ferver na década seguinte, com os marginais.

A resistência acadêmica a produção poética da turma de São Paulo existiu, você atribui essa resistência a um certo desregramento que vocês de certo modo cultivavam para salientar essa postura contracultural vigente naquele período? ou seja, o desregramento como um item fundamental no conceito daquela poesia contrbuiu para a academia não considerar aquela movimentação?

Sim – ou será que não havia malucos aceitáveis para o ‘establishment’? Acho que o modo de expressar-se, de escrever, estranho aos cânones, provocou estranheza. Até hoje, tem gente literariamente culta que me acha ininteligível. Eu me acho tão evidente, tão transparente...

Por que a identificação direta com Allen Ginsberg, na opção de especializar-se na tradução da sua obra no Brasil e também como principal referência para a identidade da poesia que veio a desenvolver naquele período em São Paulo?

Principalmente, por ser a Geração Beat um movimento importantíssimo, inovador e substancioso. Se não fosse, não ia conseguir continuar escrevendo a respeito, achando mais assunto para produzir ensaios. E Ginsberg foi um poeta enorme – na escala do valor literário, inseparável, no caso dele, da rebelião. Assimilamos a beat em primeira mão, já em 1960/61. O intertexto de Paranóia de Piva com Ginsberg, Corso e outros beats é evidente.

Como você responde aos questionamentos previsíveis de que a poesia beat vacila na espontaneidade exagerada, na confusão vida e obra e do desapego a uma forma mais rigorosa na escrita do gênero?

Acho que esses questionamentos nada tem a ver com valor literário. Reclamar de confusão de vida e obra é absolutamente reacionário. Querer forma mais rigorosa é cosia de formalistas. Interessa se a obra é substanciosa, e isso nada tem a ver com a confusão de biografia e expressão, ou o modo de criar, mais espontâneo ou mais pensado. Além disso, Ginsberg copidescou bastante Uivo e Kaddish. E algumas das obras de Kerouac, ele levou anos para escrevê-las.

A Feira de Poesia no Municipal, as edições artesanais de Massao Ohno, a Antologia dos Novíssimos, foram as principais atividades de divulgação da poesia paulista anos 60/70? ou destacaria algumas outras? e nesse sentido não houve uma organização com o objetivo de organizar algum movimento mais definido que destacasse as propostas estéticas do grupo? por esse aspecto você incorpora a legenda poesia marginal para caracterizar o trabalho dessa turma naquele período?

Foram as principais? Ou precisamos de uma perspectiva histórica mais extensa? Talvez, retomar o assunto daqui a 50 anos? As edições de Massao não eram artesanais. Fazia livros de qualidade, impressos em gráficas, igual a qualquer outra editora. A distribuição é que era limitada, por motivos óbvios.

Em momento algum houve algum diálogo com os poetas concretos? afinal, por mais diferentes que fossem as propostas poéticas, havia um elo em comum: algum tipo de subversão e renovação da poesia brasileira.

Poesia concreta, em seu momento de afirmação, representava tudo o que não suportávamos: era cerebral, burocrática. E havia os erros evidentes, a idéia de que revolução tecnológica ia modificar o signo, etc. Pessoalmente, minha relação com Haroldo era cordial, e outro diz compus uma mesa junto com Augusto. Claro que converso com concretos.

Os livros Paranóia, de Piva e Anotações para um Apocalipse, seu livro de estréia também, foram escritos levando em conta quais critérios básicos, tanto no plano formal, estético, de linguagem? exisitia alguma meta específica para além do lançamento de uma poesia afiada com a linguagem beat?

Acho que escrevemos aquilo que tínhamos vontade de escrever. E a beat era uma das referências, líamos muito mais. Para mim, no plano da criação, surrealismo foi mais importante.

Durante as entrevistas para o livro Dentes da Memória, você resgatou sua trajetória como poeta e pensador da poesia brasileira assim como reavaliou um período importante para a história recente do gênero no país. Quais daqueles impulsos (lembrando o nutrir-se de Pound) ainda estão firmes hoje em dia em sua atividade?

Ambos ... Publiquei dois livros de ensaio, ‘Geração beat’ em 2009 e ‘Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna’, em 2010, e estou esperando que saia meu próximo livro de poesia, ‘A verdadeira história do século XX’, pela ed. Demônio Negro.

O poeta de hoje não está longe da condição daquelas décadas: restrição editorial, editoras por demanda como opção, resistência da mídia numa veiculação da poesia e um hibridismo de formas. Nesse sentido, o movimento beat é um prato cheio para as referências que levam em conta esse contexto? ou seja, a postura beat é plenamente adequada a prática da poesia recente no Brasil?

Quando me perguntam sobre poesia e mercado, sempre observo que do tempo de Baudelaire para cá continua tudo do mesmo jeito. Nenhuma de suas críticas perdeu validade ou atualidade. Postura beat originou a contracultura, que por sua vez contribuiu para uma maior abertura nas sociedades modernas. Ou seja, constitui, em certa medida, o mundo em que vivemos – ou alguns de seus aspectos e dimensões mais interessantes.