quarta-feira, janeiro 18, 2006

SITE DA IPANEMA

Abaixo, o texto da coluna que os poetas totais Godoh e Noah alimentam no site da rádio ipanema, desde que cobriram a Feira do Livro de 2005, de uma forma nunca dante vista nas ondas radiofônicas de qualquer esfera.

Diego Petrarca, o poeta laureado
Fabio Godoh e Marcelo Noah

Eu diria que os versos de Diego Petrarca sintetizam a vida, mas a frase não é minha. Na verdade, o que sempre me surpreendeu em seus poemas foi o rotundo e obstinado empenho em não revelar suas emoções mais íntimas, em não apresentar sequer uma pista de seu universo sentimental mais egoísta: síntese da alma humana “porca como um cu”, como disse meu analista. Em seus poemas, Diego mente, e exercita, mentindo, um mentiroso compromisso com a objetividade, postura expressiva imprescindível a um poeta voado o mais distante possível das mulheres de primeira pessoa e dos psiquiatras de terceira persona. Algumas vezes, tenho conversado com Diego sobre esse indomável temor de sentir-se desnudo e descoberto frente a estes tubarões de aquário, que não merecem nadar, e que imundam nossas lidas com pastilhas coloridas. Com efeito, Diego é peixe dentro d’água, feto apodrecendo por dentro, poeta-privada, alquimista de emoções que narra histórias e feridas para as quais transplanta suas vergonhas menos alheias, tomando, igual em desgraça, partido sentimental dos personagens que dão vida aos seus poemas. Vem daí, provavelmente, estas baforadas de cigarro na cara do leitor, estas cenografias habitadas por desabitadas sombras à deriva e em perpétua fuga de si mesmas, que embarcam em copos e corpos com os quais impudicamente se identificam, carregando maletas abarrotadas de areia movediça.A figura do poeta Diego é céu estrelado sob a pele, e seus olhos são homens indolentes e solitários à procura de mais e mais solidão, vômito de restos puídos de biografias apaixonadas pelo desamor. Enfim, Diego é vampiro urbano temeroso da luz do dia, que vai buscando a cobertura infiel da escuridão para saciar sua sede de par, perdido por ruas que nascem de bar em bar, lá pelos lados selvagens do naufrágio. Eis a estalagem onde o poeta empenha a sangue a sua poesia, onde se encontram os mais descarnados acordes do poema, nunca isento de amargas ternuras, ainda que em doses recatadas, e de distanciamentos que seu peculiar sentido exige. Diego Petrarca, doce demônio barbaramente humano, poeta que alimenta nossas paisagens com os latidos de um coração que está por anoitecer, fruta de sangue amanhecida sobre o asfalto. De todos os Diegos que existem em Petrarca, há apenas um que é sempre leal à única razão de ser da poesia: aquele apaixonado pelos seres humanos que, mesmo tendo perdido a fé em seus congêneres, ainda acreditam que a vida sempre pode nos surpreender.

(No dia 15 de dezembro de 2005, o poeta Diego Petrarca subiu ao palco do teatro São Pedro para receber o prêmio de destaque na categoria In-Versus, do Habitasul Revelção Literária na Feira do Livro, com a obra Viacinemascope).