Uma das formas breves de poesia mais conhecidas é o haicai, poema de três versos, que funciona como uma fotografia de determinado instante, ou seja, a iluminação da percepção do olhar sobre determinado acontecimento. Sua origem promovida inicialmente por imigrantes ou descendentes de imigrantes japoneses, como H. MasudaGoga e Teruko Oda. Essa corrente define haikai como um poema escrito em linguagem simples, sem rima, três versos que somam dezessete sílabas poéticas (cinco sílabas no primeiro verso, sete no segundo e cinco no terceiro). Além disso, o haikai tradicional deve conter sempre uma referência à estação do ano, expressa por uma palavra (o chamado kigo = palavra de estação.
No Brasil, Paulo Leminski e Alice Ruiz, assim como Millôr Fernandes, entre outros, ajudaram a popularizar essa forma breve de poesia, adaptando-a a outros formatos como por exemplo sem o foco na natureza nem com o rigor métrico de dezessete sílabas. De certa forma, o haicai ganhou uma roupagem pop, pela brevidade, pelo instântaneo e pela linguagem simples, direta.
Porém, outras formas breves de poesia existem: o epigrama, por exemplo, ou o Tanga, que dizem ser anterior ao haicai e é basicamente a estrutura de um haicai com a adição de mais dois versos que de certo modo fecham a idéia do poema. A poesia tende a ser breve, é reconhecidamente o mais breve dos gêneros literários por condensar significados, dizer muito com pouco, zelar pela síntese para garantir a força expressiva que a caracteriza. Num poema é sempre bom que não sobre nada, ou seja, toda palavra, todo verso, deve ter uma função. Por isso a brevidade é básica num poema.
Existem poemas discurssivos, longos, de várias páginas, mas normalmente a forma breve aindaé a mais usada na construção de um poema. O soneto, por exemplo, um dos modelos mais clássicos de poesia, não passa de 14 versos.
Mas sejamos ainda mais breves. Sejamos brevíssimos. Por isso comecei com o haicai. Mário Quintana era mestre noutra prática poética breve, o epigrama, basicamente formado por uma frase, um só verso, normalmente com um tom de humor, por vezes reflexivo, mas sempre fechando uma idéia pronta. Quantos romances se passam na aproximação entre uma ou duas palavras, o quanto de conteúdo e carga semântica está concentrado num texto de poucas palavras. A poesia naturalmente já é assim, criando outras possibilidades de som e sentido na dança entre as palavras.
Pode-se pensar o texto breve (e para isso não apenas a poesia existe, mas o miniconto, o microconto) - pois o conto é a forma breve da prosa e está cada vez mais enxugado, por vezes até beirando o poema - como uma forma do texto escrito comunicar mais, dizer mais, sermais lido, justamente por ser breve: leitura imediata. O escritor obriga-se a formular muito em poucas letras, organizar o pensamento num formato conciso, e mesmo que tudo não possa ser dito e nem mesmo possa caber nessa forma breve, ele deixará margens para interpretação. E isso funciona muito bem literariamente.
O texto publicitário é mais ou menos assim, transmite uma mensagem em poucas linhas,mesmo que a intenção não seja a poesia nem a literatura, o exercício de linguagem é o mesmo, o pouco dizendo algo. A poesia concreta zelava pela brevidade a ponto de resumir um poema numa só letra, transformar o verbo em imagem, concentrar o máximo de significado até explodir a linguagem em desenho, extrapolando a múltipla possibilidade de sentido que pode haver numa palavra.
Sejamos breves e profundos, breves e amplos, breves e abertos para toda e qualquer possibilidade discurssiva que se acomode em três ou menos versos. Daltro Trevisan é um exemplo da prosa breve e merece essa referência. Assim como os haicais de Leminski e Alice Ruiz, Millôr Fernandes, os epigramas de Quintana, e mesmo outras formas breves desenvolvidas por Leminski que não são haicais, mas pequenos formatos.
Na poesia moderna, no Brasil, inúmeros autores produziram em suas obras a forma breve, desde Oswald de Andrade (onde o modernismo inaugurou o poema-piada, o aforismo), Drummond, Manuel Bandeira e seus poemas da série "Poemas Onomásticos". Os poetas dos anos steenta, ligados aos modernistas, também resgataram a forma breve: Chacal, Ana C, entre outros autores.
Como nos ensinou Ezra Pound, breves e profundos.
primeiro frio do ano
fui feliz
se não me engano
Paulo Leminski
*
fim do dia
porta aberta
o sapo espia
Alice Ruiz
*
Ah, mosca de inverno
- questão de dia ou de hora
seu último instante?
Masuda Goga
*
outro outono
no chão entre as folhas
sonhos do verão
Ricardo Silvestrin
*
A maior dor do vento é não ser colorido
Mário Quintana
*
Amor
Humor
Oswald de Andrade
*
Vai ter uma festa que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar
aí eu paro, tiro o sapato
e danço a noite toda
Chacal