terça-feira, fevereiro 14, 2012

BREVÍSSIMO PERCURSO DO HAICAI





Curiosamente, o haicai apareceu num poema com mais de três versos, dentro do gênero Tanka, poema curto tradicional japonês formado por 5 versos e 31 sílabas. A primeira parte do Tanka é um terceto e a segunda, um dueto. Antes de o haicai constituir-se numa expressão autônoma, era parte integrante do Tanka.

A popularidade do terceto assim como a sua independência do poema de 5 versos, foi acontecendo através dos tempos. Matsuó Bashô, ao renunciar a vida de Samurai e tornar-se um monge andarilho, eleva o haicai à condição de caminho da poesia (kadô), acrescentando a sua visão zen a criação poética. Em seguida, Buson, Kobayashi Issa e Massoka Shiki, responsáveis pela codificação definitiva do gênero, estabelecem novos padrões para o terceto, seguindo a escola de Bashô. A partir desse período o poema ganha vida própria e começa a ser praticado como forma original no Japão. Shiki é quem nomeia o terceto de haiku, (um híbrido de haikai e hokku), estabelece as regras clássicas para o poema, como as conhecidas dezessete sílabas ou fonemas, a integração com a natureza e referência a alguma estação do ano.

No Brasil, o já abrasileirado haicai, tem os primeiros sinais a partir das traduções de Monteiro Lobato em seu jornal no interior de São Paulo, em que era editor. O crítico literário Afrânio Peixoto, após a chegada dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil, identificou o formato à brasileira com os conhecidos três versos em cinco, sete e cinco sílabas, respectivamente. Pode-se dizer que os primeiros escritos com a forma do haicai em terras brasileiras começou via modernismo deflagrado pela semana de 22. Nesse sentido, talvez os modernistas pretendessem incorporar o haicai como uma de suas práticas criativas com a poesia, a semelhança com o poema japonês estava no terceto enxuto e bem humorado, na linha poema-piada, com a ousadia coloquial e o despojamento inaugurado pela linguagem modernista. Há quem diga que esses textos não são propriamente haicais, outros defendem a ideia de que pela semelhança construtiva pode-se reconhecer nesses poemas modernistas uma continuidade dos princípios do haicai (brevidade e leveza), por exemplo, também praticados pelos poetas marginais dos anos 70, que levaram a tona as práticas modernistas com poemas breves e ágeis na linguagem.

O haicai era também debatido entre os autores modernos. Luís Aranha criou haicais em sua obra Cocktails. No livro A escrava que não era Isaura, Mário de Andrade mencionou influência do hanka e o haicai como “certos gêneros japoneses” em sua poesia. Oswald de Andrade, em muitos dos seus poemas, opta pela brevidade e textos curtos (muitos em terceto), tornando-se uma de suas marcas poéticas assim como uma das forças expressivas do próprio modernismo.

Na poesia moderna, o haicai é popularizado no Brasil, espalha-se na produção de vários autores e afirma-se como uma possibilidade criativa. Carlos Drummond de Andrade produz tercetos em seu livro de estréia, além de publicar haicais em revistas literárias e praticar a forma breve ao longo de sua obra poética. Outro modernista, Manuel Bandeira, além de traduzir haicais mencionou o gênero em seus versos de circunstância. Guilherme de Almeida conceitua a forma abrasileirada e divulga o haicai em seus artigos. Guimarães Rosa, em seu único livro de poesia, Magma, dedica uma parte com nove tercetos intitulados Hai-kais. O poeta Waldomiro Siqueira Jr, publica um livro inteiro de haicais. Mário Quintana adota a forma em seu livro Sapato Florido com o Haicai da cozinheira. O autor Millôr Fernandes recria o haicai acrescentando o tom humorístico ao formato.

Na poesia dita pós-moderna, o haicai está adotado como uma forma definitiva no Brasil, a ponto do gênero parecer propício a esse período em que a rapidez da informação e a comunicação visual salientam-se. O texto conciso com uma certa graça estética são critérios importantes para leitores. Paulo Leminski e Alice Ruiz são nomes fundamentais nesse período. Leminski não foi apenas um praticante do haicai mais um especialista, tradutor e difusor do gênero no Brasil, além de colaborar com a adaptação do haicai a novos tempos, em que a brevidade agora convivia com a surpresa e novidade do sentido, a sonoridade, a rima, características que não estavam no conceito clássico do gênero.

Nesse sentido, a prática do haicai nas últimas décadas contribuiu para a transformação e desdobramento do gênero em outras dicções, possibilidades e resultados poéticos. De certa forma, todo texto com três versos ou pouco mais, naturalmente já se autoriza, mesmo que equivocadamente, como sendo haicai, sintoma de que o gênero há tempo já está incorporado à poesia brasileira, sendo matéria obrigatória de criação.

Os poemas desse livro reconhecem a percurso do haicai no Brasil via modernismo, integrados aos recursos que transformaram o haicai clássico num poema que fortalece a tradição do gênero.


*Texto que integra o livro Vento & Avenca, a ser lançado brevemente.