quarta-feira, setembro 04, 2013

LADODENTRO ENTREVISTA: ALICE RUIZ


Entrevista com Alice Ruiz. Temas fundamentais: haicai, canção, poesia. Sempre bom de se ler e ouvir. E pra falar sobre poesia tem que passar por ela.  http://www.aliceruiz.mpbnet.com.br/index.html.

névoa na estrada
à beira de um sonho
um trem para Praga


tarde cinza
toda azaleia
arde em rosa




Existe um tema central na poesia de Alice Ruiz? ou todo tema cabe em sua poesia desde que lhe faça sentido?

Quando se trata de haicai, o tema é sempre a natureza, para seguir o modelo nipônico  Quando acontece um terceto sobre a natureza humana, prefiro chama-lo assim: terceto. Na letra de música, onde tenho também um compromisso de que seja poética, é mais comum que o tema seja a natureza humana, com ênfase nos relacionamentos. Até porque é uma forma de conversar mais de perto com o ouvinte, seduzi-lo de imediato. Já a poesia ela mesma, no sentido ocidental, permite uma gama bem maior de temas e assuntos.

 
O haicai, gênero em que você contribui para qualificar e popularizar no Brasil, e que concentra boa parte da sua produção, como você analisa o interesse pelo gênero e seu poder de atração que desperta em leitores e autores?

 Primeiro de tudo, o seu poder de síntese, perfeito para um tempo sem tempo como o que vivemos. Além disso, devolve a natureza, ou a imagem/lembrança dela, ao meio urbano.E o exercício principal do haicai  além da síntese, é não colocar a subjetividade, o "eu" do autor nos versos. Nesse caso, sua leitura permite que nos sintamos mais integrados ao todo e menos envolvidos, ainda que por um breve momento, com nossas intermináveis e até enfadonhas questões pessoais.

 As aproximações entre poesia e canção não são mais novidade. Você, que escreve para o canto e para a página e aproxima tão bem a poesia cantada e a poesia de livro (como o livro Poesia Pra Tocar no Rádio) pode traçar outras informações sobre criação entre essas duas áreas de atuação? 

 A letra, diferente do poema para ser lido, pede métrica mais rígida, rimas mais frequentes, incidência das tônicas e, principalmente, coloquialidade. Creio que essas são as principais diferenças. Quanto às semelhanças, a letra pede tanta verdade, elaboração e criação de linguagem, quanto o poema escrito.

 Fale sobre a concepção e projeto do belo livro Hai Tropikais, desde o formato (cartão), projeto gráfico, até a parceria da autoria.


 Não poderia, a concepção e edição foi do Guilherme Mansur, poeta de Ouro Preto. Foi dele a iniciativa de selecionar alguns haicais meus e do Paulo Leminski e publicá-los nesse volume. Inclusive o título é dele. Nós a recebemos como um presente.

 
 A poesia no mercado editorial é sempre complexa, na sua opinião a poesia deve cada vez mais sair do livro e ganhar outros suportes? você acha que isso pode gerar um número de leitores mais expressivo?


 A poesia já migrou para vários suportes. Na música, por exemplo, temos no Brasil a melhor canção do mundo, provavelmente porque nossa canção conta com letras altamente poéticas, além é claro, de compositores musicais inspiradíssimos. E a poesia mais sintética já está no out-door, nos muros, nas camisetas, no vídeo texto, na holografia, na internet. Parece mesmo perfeita para as novas tecnologias. E quanto mais suportes tivermos, melhor será. Quem sabe até possa a vir alterar o comportamento do mercado editorial. Ouço desde menina que a poesia está morrendo, e a sinto e vejo cada vez mais viva.

 
Duas ou três dicas na hora de escrever o poema que Alice Ruiz considera fundamentais.  

 Creio que isso está respondido na pergunta quatro. Verdade, elaboração de linguagem, formas novas de dizer o já conhecido, mas também de dizer o novo. Familiaridade com a linguagem e para isso ler muita poesia, teorias sobre poesia, e mesmo prosas que acrescentem conhecimento e idéias poéticas. Universalidade, isto é, falar do que é comum a (e sobre) um maior número de pessoas. Só que tudo isso é feito antes. Na hora de escrever o poema, o ideal é já ter assimilado de tal forma esses fatores, para que o poema nasça espontâneo. Para que a intenção de faze-lo não apareça.