domingo, dezembro 11, 2011

LADODENTRO ENTREVISTA - CLAÚDIO WILLER




O poeta e tradutor Cláudio Willer respondeu algumas perguntas sobre  poesia e criação. O responsável pela tradução e inserção da obra de Allen Ginsberg no Brasil e o intelectual mais especializado em literatura beat no país, fala a respeito da movimentação poética da cena paulistana das décadas de 60 e 70, recentemente lançadas no livro Dentes da Memória, das jornalistas Camila Hungria e Renata D´Elia, que traçam um belo painel da produção poética naquele período, em que Willer era um dos expoentes. O autor também comenta a nítida influência do movimento beat em sua poesia e as questões da produção contemporânea do gênero hoje em dia. Confira.

Como você observa essa recuperação da movimentação poética dos anos 60/70 na cidade de São Paulo, em que era um dos expoentes? normalmente o foco desse período de poesia no Brasil é o RJ, mas existe muita história e uma característica muito clara dos conceitos da turma liderada por você e Piva, por exemplo, o nítido comportamento/influência Beat.

Sim. Mas veja que a movimentação no Rio, por volta de 1960, não era tão grande assim, havia mais atividades ligadas à poesia em São Paulo. E Rio era algo tradicionalista, se comparado a São Paulo. Rio vai ferver na década seguinte, com os marginais.

A resistência acadêmica a produção poética da turma de São Paulo existiu, você atribui essa resistência a um certo desregramento que vocês de certo modo cultivavam para salientar essa postura contracultural vigente naquele período? ou seja, o desregramento como um item fundamental no conceito daquela poesia contrbuiu para a academia não considerar aquela movimentação?

Sim – ou será que não havia malucos aceitáveis para o ‘establishment’? Acho que o modo de expressar-se, de escrever, estranho aos cânones, provocou estranheza. Até hoje, tem gente literariamente culta que me acha ininteligível. Eu me acho tão evidente, tão transparente...

Por que a identificação direta com Allen Ginsberg, na opção de especializar-se na tradução da sua obra no Brasil e também como principal referência para a identidade da poesia que veio a desenvolver naquele período em São Paulo?

Principalmente, por ser a Geração Beat um movimento importantíssimo, inovador e substancioso. Se não fosse, não ia conseguir continuar escrevendo a respeito, achando mais assunto para produzir ensaios. E Ginsberg foi um poeta enorme – na escala do valor literário, inseparável, no caso dele, da rebelião. Assimilamos a beat em primeira mão, já em 1960/61. O intertexto de Paranóia de Piva com Ginsberg, Corso e outros beats é evidente.

Como você responde aos questionamentos previsíveis de que a poesia beat vacila na espontaneidade exagerada, na confusão vida e obra e do desapego a uma forma mais rigorosa na escrita do gênero?

Acho que esses questionamentos nada tem a ver com valor literário. Reclamar de confusão de vida e obra é absolutamente reacionário. Querer forma mais rigorosa é cosia de formalistas. Interessa se a obra é substanciosa, e isso nada tem a ver com a confusão de biografia e expressão, ou o modo de criar, mais espontâneo ou mais pensado. Além disso, Ginsberg copidescou bastante Uivo e Kaddish. E algumas das obras de Kerouac, ele levou anos para escrevê-las.

A Feira de Poesia no Municipal, as edições artesanais de Massao Ohno, a Antologia dos Novíssimos, foram as principais atividades de divulgação da poesia paulista anos 60/70? ou destacaria algumas outras? e nesse sentido não houve uma organização com o objetivo de organizar algum movimento mais definido que destacasse as propostas estéticas do grupo? por esse aspecto você incorpora a legenda poesia marginal para caracterizar o trabalho dessa turma naquele período?

Foram as principais? Ou precisamos de uma perspectiva histórica mais extensa? Talvez, retomar o assunto daqui a 50 anos? As edições de Massao não eram artesanais. Fazia livros de qualidade, impressos em gráficas, igual a qualquer outra editora. A distribuição é que era limitada, por motivos óbvios.

Em momento algum houve algum diálogo com os poetas concretos? afinal, por mais diferentes que fossem as propostas poéticas, havia um elo em comum: algum tipo de subversão e renovação da poesia brasileira.

Poesia concreta, em seu momento de afirmação, representava tudo o que não suportávamos: era cerebral, burocrática. E havia os erros evidentes, a idéia de que revolução tecnológica ia modificar o signo, etc. Pessoalmente, minha relação com Haroldo era cordial, e outro diz compus uma mesa junto com Augusto. Claro que converso com concretos.

Os livros Paranóia, de Piva e Anotações para um Apocalipse, seu livro de estréia também, foram escritos levando em conta quais critérios básicos, tanto no plano formal, estético, de linguagem? exisitia alguma meta específica para além do lançamento de uma poesia afiada com a linguagem beat?

Acho que escrevemos aquilo que tínhamos vontade de escrever. E a beat era uma das referências, líamos muito mais. Para mim, no plano da criação, surrealismo foi mais importante.

Durante as entrevistas para o livro Dentes da Memória, você resgatou sua trajetória como poeta e pensador da poesia brasileira assim como reavaliou um período importante para a história recente do gênero no país. Quais daqueles impulsos (lembrando o nutrir-se de Pound) ainda estão firmes hoje em dia em sua atividade?

Ambos ... Publiquei dois livros de ensaio, ‘Geração beat’ em 2009 e ‘Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna’, em 2010, e estou esperando que saia meu próximo livro de poesia, ‘A verdadeira história do século XX’, pela ed. Demônio Negro.

O poeta de hoje não está longe da condição daquelas décadas: restrição editorial, editoras por demanda como opção, resistência da mídia numa veiculação da poesia e um hibridismo de formas. Nesse sentido, o movimento beat é um prato cheio para as referências que levam em conta esse contexto? ou seja, a postura beat é plenamente adequada a prática da poesia recente no Brasil?

Quando me perguntam sobre poesia e mercado, sempre observo que do tempo de Baudelaire para cá continua tudo do mesmo jeito. Nenhuma de suas críticas perdeu validade ou atualidade. Postura beat originou a contracultura, que por sua vez contribuiu para uma maior abertura nas sociedades modernas. Ou seja, constitui, em certa medida, o mundo em que vivemos – ou alguns de seus aspectos e dimensões mais interessantes.