quarta-feira, julho 24, 2013

LADODENTRO ENTREVISTA: LUIZ TATIT




Uma rápida entrevista sobre letra e música e outras mumunhas mais com Luiz Tatit. 

O músico, compositor e teórico Luiz Tatit é graduado em Letras (Lingüística) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (1978) e em Música (Composição), pela Escola de Comunicações e Artes (1979) da mesma universidade. É membro fundador do Grupo Rumo, representante da vanguarda musical paulista da década de 1980. Com o Grupo RUMO, incluindo compactos, Luiz Tatit gravou no total seis discos, relançados em 2004Além da música, Luiz Tatit desenvolve na USP pesquisas em semiótica, a ciência que estuda o sentido em diferentes linguagens: verbal, musical, teatral, etc.


Em que momento você despertou o interesse pela dinâmica linguística das palavras das canções? 

Você se refere aos elementos linguísticos presentes na letra da canção? Comecei a prestar uma atenção especial nas letras das canções a partir do movimento tropicalista. Senti nessa época que surgia um tipo de letra inexistente até então. O LP Tropicália e os primeiros discos do Caetano e do Gilberto Gil foram os que mais despertaram meu interesse.


 A poesia naturalmente destaca a sonoridade das palavras. Mas um texto sem apelo sonoro (rimas, aliterações) pode também demonstrar-se como musical?

 A sonoridade das palavras não deixa de ser um elemento a considerar no acabamento de uma letra. Mas, para a maioria dos compositores, isso não chega a ser decisivo. O aspecto da linguagem que mais contribui para a composição é a inflexão entoativa do texto. A maneira melódica de falar é mais importante para o cancionista do que as rimas, as assonâncias, etc. que nem sempre aparecem nas canções. A sonoridade das palavras é bem mais aproveitada no campo da poesia. Os letristas também dela fazem uso, mas nem tanto. As entoações que indicam o caminho para as frases melódicas são bem mais determinantes.


 Suas letras são verdadeiras aulas da metalinguagem, tanto no âmbito musical quanto verbal. Como você percebe a necessidade do artista voltar-se a própria linguagem ?


  Não vejo nenhuma necessidade de se fazer metalinguagem. Acho até que isso é vício de quem desenvolve reflexão sobre a linguagem, no caso a linguagem cancional. Se a metalinguagem for usada com discrição e parcimônia, acho aceitável, mas quando se faz notar sem muita justificativa, me incomoda. Bons compositores, como Jorge BenJor, Erasmo Carlos ou Djavan, por exemplo, não precisam lançar mão desse recurso.


Em seu livro Análise Semiótica através das Letras, você menciona a semiótica tensiva, fale a respeito dela a partir da perspectiva letra e música. 


 A semiótica de hoje tem operado com noções básicas que primordialmente eram apenas do domínio musical. Por exemplo, “acentuação”, “andamento” e “temporalidade”. São conceitos que ajudam a compreender a compatibilidade entre melodia e letra.


 Tudo Comer / tudo dormir /tudo no fundo do mar. Essa letra de Caetano aproxima a canção (de ninar) representada musicalmente pela pronúncia musical da letra M (mmmmm...) que remete ao elemento do Mar (mencionado na letra), que também é algo que embala. Essas relações são exemplo de aproximação semiótica entre poesia e música?


  São na verdade exemplos de influência da poesia na canção. Essa canção em especial é bem resolvida, mas em geral os recursos que servem para a poesia não se adaptam bem à letra de canção. Tornam-se pouco “naturais”. Os bons poetas, normalmente, precisam treinar muito para chegar a fazer boas letras. Só poucos conseguem. O inverso também é verdadeiro.


 Existe alguma reflexão sua sobre a apresentação gráfica dos poemas (verso espalhado na página) e as partituras musicais. Ou seja, a proximidade visual do poema tal qual a visualização de uma partitura?

  Jamais. Canção é para ser ouvida e não vista ou lida. Desde as experiências renascentistas com o canto erudito evita-se estabelecer relações do tipo: falou em céu, notas agudas; falou em inferno, graves. São efeitos ingênuos que se tornam casos únicos, sem ligação estrutural com a linguagem da canção. Poesia é uma coisa, letra é outra, muito diferente.


 Em que medida as regras gramaticais convencionadas podem ser sacrificadas em nome de uma construção linguística criativa?

 Se você se refere à gramática normativa, essa que corrige o falante ou o usuário da língua, ela pode ser inteiramente sacrificada. Mas isso nem é gramática, de acordo com a linguística. Gramática é o que ordena nosso discurso mesmo que não tenhamos nenhuma consciência desse poder. Todos os discursos que somos capazes de produzir são regidos por essa gramática interna. Portanto, jamais falamos errado. Não temos o que sacrificar.


 Você concorda que pelo fato de boa parte da poesia ter migrado para as canções, a mídia ideal para o poema seja o disco (de leitura) tanto quanto o livro impresso?

 Não creio que a poesia tenha migrado para a canção. Poesia e letra não se confundem. O que se percebe atualmente é que cada vez mais poetas experimentam fazer letras para obter maior divulgação do trabalho. Quando conseguem, sentem-se estimulados a produzir mais nessa área e, muitas vezes, abandonam a poesia. Mas há também os que se cansam das letras e voltam para a poesia. Provavelmente (isso é pura conjectura), tanto as poesias como as canções terão no futuro uma vida bem mais virtual do que real. Acontece que tudo indica que o mundo virtual será a principal realidade do futuro.