O livro As Coisas, de Arnaldo Antunes, saiu em 1992, foi seu terceiro livro de poemas, os dois primeiros foram lançados quando Arnaldo ainda estava no Titãs, se não me engano, a época de lançamento de As Coisas coincidiu com a notícia de sua saída da banda para carreira solo, logo em 1993, ele lançaria Nomes, reunindo disco/vhs e livro.
Relendo esse livro percebi mais clara a proposta de Arnaldo: tornar poético aquilo que, num primeiro olhar, soa óbvio, evidente. Mas justamente por aí que está o achado poético: a forma como o que se tem como óbvio se manifesta na linguagem. Ou aquilo que está estabelecido como óbvio pode ser invertido pela liberdade que o poema permite.
Se não está claro, recorremos ao próprio:
"É um livro diferente dos outros, que de certa forma eram meio coletâneas da produção poética que eu vinha fazendo. As Coisas tem uma intenção a priori, foi feito a partir de um conceito anterior. Eu tive a idéia de escrever com esse tom bem primário, quase infantil de raciocinar acerca dos objetos, do mar, das cores, da montanha. Esse livro é um híbrido entre poesia e prosa. A intenção era fazer essas pequenas ‘prosas’, destituídas de narratividade. São quase reflexões ou descrições de objetos. […] Não acho que os temas são infantis. São temas do cotidiano. O que é infantil é a maneira de raciocinar sobre essas coisas, de formular associações, especulações sobre as coisas. […] O que há de singular nele é a intenção de fazer com que a obviedade alcance a estranheza".
O que me ficou claro é que olhar infantil sobre as coisas lança um outro conceito da coisa, isto é, recicla a conclusão das coisas a partir do que elas parecem, pela proximidade, similaridade, que é justamente de onde parte o olhar poético: a aproximação da coisa sem dizer a coisa. Esse livre olhar renova e amplia o conceito original daquilo que se descreve e deixa dito que a poesia, o poético e seus efeitos iluminados que comovem e dão o prazer da leitura, passam por essa aparente simplicidade de pensamento, de vocábulo e construção de linguagem. O simples produz o inusitado, des-inventa re-inventando o poema.
As Coisas virou canção, assim como outros poemas do livro. Gil musicou As Coisas (Arnaldo a regravou no seu cd de 2006, Qualquer) antes estava apenas no disco genial que celebrou os 25 anos da Tropicália: Tropicália 2. E Jorge Ben musicou Dinheiro e As árvores (Arnaldo gravou no seu cd de 1998, Um Som).