quinta-feira, fevereiro 07, 2008

NO MENINO DEUS



Uma década e mais no Menino Deus

O bairro Menino Deus me acompanha desde pequeno. O apartamento da minha avó, na Avenida Ganzo, era nosso programa dos finais de semana. As tardes eram percebidas da janela da sala e garantiam a beleza daqueles domingos. Lembro de minha mãe pondo na vitrola o vinil de Roberto Carlos, tardes musicais e iluminadas do verde cultivado das rosas dos jardins da Ganzo. Toda aquela paz combinava com o Menino Deus e era absorvida pela convivência familiar. Tardes tão iguais atravessando o corredor do apartamento da dona Elcy, minha avó. Lembro que eu me perguntava, no alto dos meus seis, oito anos, quem era o Menino Deus? Como um Deus poderia ser menino? Depois descobri que um dos meu autores preferidos, Caio Fernando Abreu, morava no bairro, na Rua Oscar Bittencourt, o poeta simbolista do nosso Estado, Eduardo Guimaraens, também morou no Menino Deus e o meu artista favorito, Caetano Veloso, fez uma bela canção sobre o bairro nos anos 80. Tudo isso fortaleceu meu processo de identificação com esse bairro, e posso garantir que a formação da minha personalidade foi muito definida a partir da minha relação e convivência com esse lugar, vizinho do Centro e da Cidade Baixa, que existe em mim como uma promessa de futuro e felicidade. Nasci e cresci na Zona Sul, mas desde sempre convivi com o bairro indo visitar minha vó, passando os dias com minha família. O Menino Deus desde cedo me veio como uma outra possibilidade de morada, parecia já estar insinuada uma realidade mais profunda com o bairro. Hoje em dia já estabeleci uma harmonia com as ruas, o pôr-do-sol estendido na grama do Parque Marinha, as caminhadas pelas calçadas silenciosas, a Praça Menino Deus, os cafés da Getúlio Vargas, o Grêmio Literário Castro Alves, o espaço Engenho e Arte (a forma que a poesia encontra de morar no Menino Deus), o verde que avança à medida que o olhar alcança a paisagem, o sol contornando a altura dos prédios cercando as ruas, e a Avenida Ganzo concentrando o contentamento encantado, um sentimento profundo, uma alegria íntima e uma felicidade que o Menino Deus me representa. Porto Alegre mais de perto. Como se o bairro instaurasse tranqüilidade e uma crença pelas coisas simples mas totalmente visíveis ao andar por seus lugares. Quando entrei para a faculdade no curso de Letras, em 1998, vim morar na Ganzo. Já conto uma década no Menino Deus e foi inevitável não desejar escrever alguma coisa, algo que cresce no meu coração quando ando pelas Ganzo, Bastian, Múcio Teixeira, na fotografia parda das noites do bairro, no colo das manhãs desse azul que o Menino Deus renova, matéria da leveza que me traz, me faz capaz de ser feliz: nascente daquilo que só me diz. Em nome da minha família, da minha avó, da minha história de vida, dos meus dias no Menino Deus.

Publicado no suplemento ZH Menino Deus - 07/02/08
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