Se eu tivesse que dizer como gostaria de ler ou escrever um poema nos dias de hoje, não hesitaria: Não adianta colocar o poema num carro alegórico. Todos vão ver o carro alegórico. Eu gosto do estilo claro, limpo, direto. Sem rodeios, às vezes até sem poesia. Mas essas palavras não são minhas, são de Nicolas Behr, poeta que lançou ano passado pela editora Língua Geral o livro Laranja Seleta, que reúne o mel do melhor da sua produção poética iniciada em 1978, com o livro mimeografado Iogurte com Farinha.
Laranja Seleta é o primeiro livro de Nicolas Behr que saiu por editora convencional, uma antologia que percorre toda sua poesia espalhada nos livros que Nicolas produziu de forma independente, por vezes mimeógrafo, livros artesanais, ou edições mais caprichadas em baixas tiragens. É possível, na leitura de Laranja Seleta, perceber o fôlego do poeta ao longo dessas últimas décadas. Sua produção vai longe e corresponde ao número de livros editados: entre 1977 e 2006 são cerca de vinte e poucos livros, sem contar as antologias que reuniram todos esses livros independentes num só, como Restos Mortais, de 1980, que reúne os livros Iogurte com farinha, Grande circular, Caroço de goiaba, Chá com porrada e Bagaço, lançados entre 1977 e 1979. Vinde a mim as palavrinhas, de 2005, reúne os livros Com a boca na botija, Perto do dia, Elevador de serviço, Põe sai nisso!, Entre quadras, Brasiléia desvairada, Saída de emergência, Kruh, 303F415, L2 noves fora W3, lançados entre 1979 e 1980.
Em Primeira Pessoa, 2005, a produção de Nicolas Behr nos anos noventa aparece em Porque construí Braxília, Beijo de hiena, Pelas lanchonetes dos casais felizes, Segredo secreto, Viver deveria bastar, este último de 2001. Dos livros mais recentes, estão Umbigo, Menino diamantino, Peregrino do estranho, Braxília revisitada e Introdução à dendrolatria, além de livros inéditos.
No prefácio de Laranja Seleta, Francisco Alvim aponta que a poesia de Nicolas está sempre em movimento, isto é, Nicolas é o poeta do sujeito que se move de um ponto em direção ao outro. Além disso, destaca-se também a despretensão da linguagem de Nicolas ao pensar a poesia também presente fora do poema. É desse modo que clareza e coloquialismo dispensam o poema hermético, rebuscado, que exige esforço e elaboração mental para a captação de uma imagem. Nicolas Behr consegue a instância do poético pela frase direta, tornando nítida a poesia daquela frase absurdamente fácil apenas por estar inserida num poema, isto é, o poema brilha também da constatação da simplicidade e não somente desse simples transformado forçosamente num efeito cerebral.
Essa maneira despojada de tratar a poesia está relacionada ao tempo em que Nicolas pensou e escreveu sua poesia. É perceptível o eco da literatura marginal dos anos setenta, de Chacal, Cacaso, do próprio Francisco Alvim, de Ana Cristina César e Wally Salomão. Todos esses que trazem de volta e mais escancarada a escrita aberta e despojada de Oswald de Andrade. Nicolas Behr é representante também desse modo de pensar a poesia via literatura marginal, embora o próprio brinque com isso no texto de abertura de Laranja Seleta: Poeta marginal? Eu, hein? Mas essa conquista de trazer a tona o coloquial e a clareza colaborando com da qualidade do discurso poético, são reconhecidamente méritos da geração anos 70 na qual Nicolas Behr transitou, firmando sua poesia.
Outra característica singular de Nicolas é a referência à cidade de Brasília, onde mora até hoje embora tenha nascido em Cuiabá, como algo constante em sua produção. Na poesia de Nicolas Behr Brasília é quase um signo, um ideal temático. Os livros Brasiléia desvairada, de1979, Porque construí Braxília, de 1993 são exemplos disso, a ponto de terem gerado a coletânea Poesília – Poesia Pau-Brasília, de 2002. A cidade de Brasília criou uma categoria na poesia de Nicolas e também na poesia brasileira contemporânea, afinal Nicolas inaugura uma abordagem consistente sobre a cidade fabricada e hoje a capital do País. Além de toda a simbologia que a cidade representa, Nicolas alegoriza do seu modo (na expressão Braxília, por exemplo) em sua maneira de se relacionar com a cidade pela ótica atual, desde a promessa de felicidade e a realidade que hoje Brasília apresenta.
Entre os inúmeros poemas tendo Brasília como tema nos aspectos urbanos, o seu desenho, a dureza da sua geometria e espacialização, está uma relação íntima do sujeito e a cidade:
Brasília é a incapacidade
do contato afetivo
entre a laje e o concreto
do contato afetivo
entre a laje e o concreto
Ou ainda:
a cidade é isso mesmo
mesmo que você
não esteja vendo nada
mesmo que você
não esteja vendo nada
A poesia de Nicolas Behr, agora reunida em Laranja Seleta, vem contentar os leitores que buscam uma poesia com a língua de hoje, no mínimo apontando um caminho de se dizer/escrever o poema desse tempo, sem perder a clareza e objetividade poética assim como a capacidade que um poema pode ter de comunicar mais que dificultar seu entendimento. É o próprio poeta Nicolas quem nos diz: Uma poesia fácil, me disseram. Na verdade, foi o maior elogio que já recebi.
*Esse texto está publicado no site abaixo, assim como uma entrevista com Nicolas Behr