segunda-feira, novembro 28, 2011

LADODENTRO ENTREVISTA - ARNALDO ANTUNES



"A poesia se libertou dos livros para ocupar vários suportes diferentes, isso é muito rico e também muito sedutor para os poetas enfrentarem, a maneira da poesia estar incorporada a vida das pessoas, seja no elevador, no muro, na tela do computador, na tela de cinema, enfim, na camiseta estampada... eu acho que isso traz a poesia para a vida de um jeito muito legal e cada suporte desse acaba exigindo um diálogo do poeta com um meio diferenciado e isso dá um resultado muito bacana".



O poeta e compositor Arnaldo Antunes respondeu algums perguntas em sua passagem por Porto Alegre, quando apresentou seu show Iê Iê Iê, pela segunda vez na cidade. Pouco antes de começar a sua palestra sobre poesia e criação no teatro Túlio Piva, em julho de 2011, gravei as respostas que Arnaldo concedeu, cujo foco foi basicamente o que ele comentou em 1 hora de bate papo em sua palestra: poesia, criação e afins.


A opção pela música foi uma forma de desenvolver a poesia?

Não necessariamente existe uma hierarquia na minha cabeça entre música e poesia. Na mesma época em que eu manifestei o meu desejo de compor e ter aula de violão, na adolescência, foi no mesmo período em que eu me interessei por poesia. As duas coisas juntas, poesia e canção, me influenciaram ao mesmo tempo. Na verdade eu me considero um artista da palavra que exercita ela em outras linguagens. Eu não faço música instrumental, faço canções. Não faço artes visuais apenas, faço poemas visuais, mas sempre envolve o trato com a palavra e a sua especificidade em cada código. Na minha cabeça essas duas coisas caminham paralelamente, sem haver prioridade entre uma em relação a outra.

Entre seu primeiro livro, OU E, que era uma caixa com poemas caligráficos e o Psia, seu primeiro trabalho de poemas para livro, existe algum relação entre essas duas primeiras obras?

O primeiro era um livro todo artesanal, todo ele feito em caligrafia, cada trabalho era um tipo de dobra diferente, um tipo de papel diferente, um livro todo feito a mão mesmo. Fiz 500 exemplares, edição de autor, nunca reeditei, porque também é difícil reeditar. Só na antologia que saiu pela Publifolha, Como é que chama o nome disso (2006), que saíram alguns trabalhos desse livro. A diferença é que o primeiro é um livro muito específico, um livro-caixa, para ver os poemas numa ordem que você mesmo determina, e o Psia não, já é um livro num formato mais convencional. Mas mesmo no Psia tem muitos trabalhos visuais, a linguagem gráfica associada ao verbal sempre fez parte da minha produção, é uma preocupação constante, claro que isso aparece mais em alguns poemas do que em outros, tem uns mais verbais, tem outros em que o aspecto visual é mais evidente. E a caligrafia é algo que eu continuei fazendo, é uma paixão, é uma ideia de entonação da escrita, assim como existe uma entonação da palavra nas canções, tem uma entonação visual na caligrafia, a maneira de grafar manualmente as palavras acaba dando novos sentidos a ela. Isso eu desenvolvi em outros trabalhos, fiz uma exposição já nos anos 2000, só de caligrafia, sempre em meus livros tem algum trabalho caligráfico, é mesmo uma paixão.

Letra de música e poesia são processos de criação diferentes? Eu lembro que a canção O que ganhou uma versão impressa e saiu no seu livro de 1986, Psia, com aquele formato visual circular. Você pensa o poema para página do mesmo modo que você pensa para a canção, ou as duas coisas se confluem?

Essa é uma pergunta bem ampla, envolve várias coisas. Eu faço conferências que são quase todas sobre isso. Eu acho que são linguagens diferentes sim. A letra a canção está numa situação de linguagem diferente da letra impressa no papel, mas a poesia hoje em dia tem muitos suportes e cada suporte exige um tratamento diferente do uso da palavra, ao mesmo tempo existe uma intersecção, essa matéria em comum, a palavra em si que ocorre na canção e nos poemas, tem diferenças, mas existe essa intersecção.

O que é para você uma poesia de invenção?

Uma poesia curiosa, de querer experimentar novas soluções para além do que já se conhece.

Oswald de Andrade Paulo Leminski e são duas referências suas, que impacto esses autores tiveram em sua formação? quais as novidades poéticas desses autores que você incorporou?

Oswald de Andrade eu conheci ainda no colégio, na adolescência e me encantei com a poesia dele, muito sintética, ao mesmo tempo muito coloquial, muito solta, a sintaxe próxima da fala, aliás eu acho que Oswald era muito próximo da música popular que vinha se fazendo nos anos 20, Noel Rosa, Lamartine Babo, embora ele não tenha tido convívio com esses compositores. O cineasta Júlio Bressane forjou esse encontro em seu filme Tabu, de 1982. O Leminski, desde a primeira vez que li as coisas dele eu me encantei, me apaixonei pelo Catatau, foi o primeiro livro dele que eu li. Conheci ele pessoalmente, quando ele ia para São Paulo ficava hospedado lá em casa, grande amigo e poeta admirável, ele conseguia juntar a erudição com a contracultura, do punk, do underground, ele era um poeta muito culto, pegava s referências da poesia mais antiga, Li Tai-Po, Homero, as leituras clássicas, e ao mesmo tempo pegava o que havia de potente nisso e trazia para o universo contracultural em que ele atuava.

Você utiliza muito em sua poesia a linguagem infantil gerando um efeito poético, o livro As Coisas, é todo feito a partir do olhar infantil, depois o livro que você organizou Frases do Tomé, qual outro tipo de linguagem da fala que desconcerta a linguagem e que possa ser útil a poesia?

O Antônio Risério tem aquele livro Oriki Orixá, onde ele fala das culturas tribais e da necessidade de incorporar a nossa historiografia literária esss textos quw são textos quw não considerados e são registros de criações orais e não são escritos, como se fosse a infância da poesia nas culturas primitivas, tem uma coisa muito interessante e surpreendente nisso. Tem um poeta americano que trabalha muito com isso, a chamada etnopoesia, o Jerome Rothenberg. É uma poesia a ser descoberta, essa dos cânticos das tribos indígenas, do candomblé, culturais orais que desenvolvem uma linguagem que na verdade não pretendem ser poesia, pois são culturas orais onde não se diferencia poesia e culto, brincadeira e vida.